terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Sêneca

Lúcio Anneo SÊNECA (4 a.C. – 65 d.C.)[1]
                                                       “Invulnerável não é o que não está sujeito a ser alvejado e, sim, o que não pode ser lesado”[2]
Filho de Anneo Sêneca – conhecido como Sêneca, o velho, retórico, autor da obra Declamações -, Lúcio Anneo Sêneca nasceu no início do império romano, durante o governo do primeiro imperador romano, Otávio Augustus, em 4 a.C., em Córdoba, hoje uma cidade espanhola. À época do nascimento de Sêneca a Península Ibérica já estava controlada em praticamente toda a sua extensão – somente os territórios bascos no noroeste da península não caíram sob domínio romano. É importante ressaltar que a região tinha o latim como sua língua oficial. “Edifícios romanos, teatros, estradas e aquedutos apareceram nas cidades maiores e grandes propriedades se estabeleceram no interior. Sob esse regime romano, a Espanha prosperou mais do que nunca antes e certo número de nativos, após obter educação latina, conseguiu distinção no Império Romano” [3]. Um desses nativos foi Sêneca.
A formação acadêmica de Sêneca, no entanto, ocorreu na capital do império romano, Roma, estudando retórica ligada à filosofia, também se consolidando como advogado em pouco tempo. Logo após, Sêneca ingressou na carreira política, tornando-se membro do senado romano e, logo após, questor. Os questores eram responsáveis pela arrecadação dos impostos e pela administração das riquezas públicas (ou seja, eram magistrados responsáveis pelas finanças).
Foi justamente a carreira política de Sêneca que o fez enfrentar problemas consideráveis. Sua rápida ascensão pública causou a inveja do então imperador Calígula (12 d.C. - 41). Como disserta Lúcia Sá Rebello[4], Calígula morreu antes de destruir Sêneca. Porém os problemas de Sêneca haviam apenas começado. A partir da morte de Calígula, Sêneca pôde desfrutar de relativa tranqüilidade (por um curto período de tempo, como veremos). Nesse período o Império Romano vivia uma fase de perseguição aos cristãos, junto com os constantes conflitos entre imperadores e senadores. Sêneca viveu a maior parte de sua vida no período em que a Dinastia Júlio-Claudiana (14 d.C. – 68) controlava o império. “Com Tibério, Calígula, Cláudio e Nero, essa dinastia esteve ligada à aristocracia patrícia romana.” [5].  Foi com a ascensão do imperador Cláudio César Germânico (37 d.C. - 68) que os problemas de Sêneca se agravaram. “Em 41 d.C., Sêneca foi desterrado para a Córsega sob a acusação de adultério, supostamente com Júlia Livila, sobrinha”[6] de Cláudio.
A vida na Córsega não foi nada fácil. Entre 41 e 50 Sêneca viveu privado de muitos bens materiais, momento em que o pensador se dedicou aos estudos. Também foi o momento em que o filósofo redigiu vários dos seus principais tratados filosóficos, como disserta Rebello. Entre aquilo que fora produzido estão “os três intitulados Consolationes (Consolos), nos quais expõe os ideais estóicos[7] clássicos de renúncia aos bens materiais e de busca da tranqüilidade da alma por meio do conhecimento e da contemplação”[8]. Voltaremos a falar sobre a obra de Sêneca.
Os anos de 49 e 50 foram particularmente importantes na vida de Sêneca. Isso porque em 49 a primeira esposa do imperador Cláudio, Messalina, foi condenada à morte[9], enquanto o imperador se casara com Agripina. Agripina, logo após seu casamento, mandou chamar Sêneca para que este ficasse responsável pela educação do jovem Nero, filho de Agripina com Cneu Domício Enobarbo. Em 50, Sêneca tornou-se pretor (os pretores exerciam as funções de juízes). “Sêneca, casou-se com Pompéia Paulina e organizou um poderoso grupo de amigos”[10]. Imagem do rosto de Sêneca, presente no Museu Arqueológico de Nápoles (Itália) [11].

A morte de Cláudio, em 54, fez com que Sêneca produzisse uma de suas melhores obras. Como resposta às diferenças com Cláudio, Sêneca escreveu uma sátira, carregada de vingança. A obra Apocolocyntosis divi Claudii (Transformação em abóbora do divino Cláudio) tinha como objetivo criticar o autoritarismo presente no governo claudiano e mostrar como o imperador fora renegado pelos deuses. A ascensão de Nero como imperador (54) reafirmou um Sêneca carregado de preocupações com as questões humanas. Nero, ao ser nomeado imperador, nomeou Sêneca como seu principal conselheiro. Sêneca buscou orientar o jovem imperador a seguir os princípios de um governo justo e preocupado com os valores humanos. No entanto, sua influência sobre Nero não fora suficiente; ao contrário, teve que ser complacente com as atitudes de um dos imperadores mais tirânicos de Roma. Sêneca chegou “ao ponto de redigir uma carta ao Senado para justificar a execução de Agripina, em 59 d.C., pelo filho. Nessa ocasião, foi muito criticado por sua postura frente à tirania e à acumulação de riquezas de Nero, incompatíveis com as suas próprias concepções filosóficas”[12].
Voltando a análise da obra de Sêneca, podemos considerar que o escritor foi inovador, precursor dentro das vertentes clássicas. Utilizando a ironia com maestria, Sêneca escreveu no campo das tragédias, tornando-se o único expoente em Roma do referido gênero. “Conhecidas como versões retóricas de peças gregas, elas substituem o elemento dramático por efeitos violentos, como mortes em cena e discursos agressivos, demonstrando uma visão mais trágica e mais individualista da existência” [13]. Não listaremos aqui todos os escritos de Sêneca, porém vale ressaltar algumas de suas obras.
Temos a compilação científica Naturales questiones (Problemas naturais) e diversos tratados – entre eles, De tranquillitate animi (Da tranquilidade da alma) -, diversas cartas e as Epistolae morales dirigidas a Lucílio. “As cartas morais, escritas entre os anos 63 d.C. e 65 d.C., misturam elementos epicuristas com ideias estóicas e contêm observações pessoais, reflexões sobre a literatura e crítica satírica aos vícios da época”[14]. Não é objetivo do presente texto entrar em uma análise pormenorizada das obras e gêneros abordados por Sêneca (como dito anteriormente), porém vale explicar o que são epístolas. “Chama-se epístola a composição datada e escrita por um indivíduo ou em nome de um grupo com o objetivo de ser recebida por um destinatário[15]. O termo tem uso antigo e constitui gênero literário importante a partir do conjunto de textos do Novo Testamento que ficaram conhecidos por epístolas. Assim, distingue-se uma epístola de uma carta comum, pois não se destina apenas à comunicação de fatos de natureza pessoal ou familiar, aproximando-se mais da crônica histórica que procura relatar acontecimentos do passado (...). À arte de escrever epístolas ou formas registradas de correspondência escrita entre indivíduos dá-se o nome de epistolografia”[16].
  Em 62, Sêneca deixou a vida pública. Três anos depois foi acusado de participar da conjuração de Pisão, recebendo de Nero a ordem de suicídio. Sêneca a cumpriu, falecendo em 65.




[1] RAMOS, Pedro Henrique Maloso Ramos.
[2] Sêneca – A Constância do Sábio – Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 72; tradução de Luiz Feracine. – São Paulo, SP: Escala, 2007. p. 25.
[3] A CIVILIZAÇÃO ATLÂNTICA – A História da Civilização Mundial – Max Savelle (coord.) – vol. 2. Belo Horizonte: Villa Rica, 1990. pp. 115 – 116.
[4] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 7
[5] PILETTI, Nelson. História e vida integrada: livro do professor/ Nelson Piletti, Claudino Pilleti. – Nova ed. reform. E atual. – São Paulo: Ática, 2005.  p. 149
[6] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 7
[7] Doutrina que aconselha a indiferença e o desprezo pelos males físicos e morais e a insensibilidade perante quanto pode apaixonar ou afectar. in http://www.priberam.pt . afetar
[8] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 7
[9] Fora acusada por Cláudio de bigamia e lesa majestade.
[10] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 8
[11] Imagem extraída do sítio http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9neca
[12] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 8
[13] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 8
[14] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 9
[15] No caso de Sêneca, o destinatário foi Lucílio. Rebello afirma que não se sabe se Lucílio existiu de fato ou foi apenas uma criação de Sêneca para desenvolver seus escritos filosóficos na forma de diálogo. A prática de se criar interlocutores era comum na época.
[16] SÊNECA. Aprendendo a viver/ Lúcio Anneo Sêneca; tradução de Lúcia Sá Rebello. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. pp. 9-10.

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