quarta-feira, 25 de maio de 2022

13º texto - A Baixa Idade Média - 7º ano

 13º Texto - A Baixa Idade Média

Muitos foram os fatos que mostraram que a Baixa Idade Média já apresentava características muito diferentes da Alta Idade Média. Se tivéssemos uma máquina do tempo e pudéssemos visitar o século VII, na Alta Idade Média, e depois o século XIV, já na Baixa Idade Média, voltaríamos com a certeza de que a sociedade não era a mesma, isso é fato. Nos cabe agora comprovar essa afirmação.   

Conforme visto no texto passado, a produção agrícola aumentou de maneira significativa entre os séculos X e XI. E muitos fatores contribuíram para que isso ocorresse. Vale lembrar que a produção agrícola, em algumas áreas da Europa Medieval, obedecia a um sistema conhecido por bienal. Isso significa dizer que a terra era dividida em dois lotes, sendo que um produzia e outro ficava em descanso (em pousio[2]). Assim, a área em descanso voltava a ser fértil. O problema era que se em um ano as áreas com cultivo fossem atingidas por geadas, certamente as populações passariam fome. Além do fato de se produzir menos, já que 50% das terras estavam em descanso.

  Porém, a partir do século VIII, algumas áreas centrais da Europa começaram a utilizar o sistema trienal. A terra agora era dividida em três lotes. Isso, segundo o historiador Charles Parain, pode ser compreendido “como a maior inovação agrícola da Idade Média[3]. E ele tem motivos de sobra para afirmar isso. Acompanhe a tabela abaixo:

Sistema Trienal

Campo A

Campo B

Campo C

Ano 1

Trigo e centeio

Descanso (pousio)

Aveia

Ano 2

Aveia

Trigo e centeio

Descanso (pousio)

Ano 3

Descanso (pousio)

Aveia

Trigo e centeio

Com o sistema trienal apenas 1/3 da terra ficava sem produzir, o que aumentou a produção em cerca de 30%, se compararmos com o sistema bienal. O aumento na produção dos alimentos levou a uma queda nas taxas de mortalidade, decorrentes de surtos de fome, comuns na Alta Idade Média, além de levar à produção do excedente, que começou a ser comercializado nas feiras e villas[4].

Outro fator recentemente apresentado pelos historiadores, com o auxílio de outros cientistas, foi o fato de que os invernos a partir do século XI começaram a se tornar menos rigorosos, o que fez com que as plantações não sofressem tanto com as geadas e as pessoas não morressem de frio. Com o aumento da população, muitas áreas tornaram-se campos cultiváveis. Não seria exagero pensar que a figura do camponês derrubando árvores para iniciar o plantio em um campo fosse a imagem mais comum do início da Baixa Idade Média.

Tais eventos, no entanto, auxiliaram a ocorrência das crises medievais. Sem os mesmos, muito provavelmente as crises não teriam ocorrido com tamanha intensidade. 

As crises...

O aumento populacional levou a um problema simples: o esgotamento dos feudos. Muitos eram os camponeses marginalizados. Marginalizados literalmente, já que viviam às margens dos feudos. Muitos começavam a roubar para poder sobreviver. Outros, como vimos, viviam dos excedentes, revendendo-os nos burgos e feiras. Estes deram origem aos comerciantes. Aliás, a cidade passou a assumir o sinônimo de liberdade. Por isso, Leo Huberman escreveu o seguinte em seu livro “A história da riqueza do homem”: “A população das cidades queria liberdade. Queria ir e vir quando lhe aprouvesse. Um velho provérbio alemão, aplicável a toda a Europa Ocidental, ‘o ar da cidade torna um homem livre’[5]. Huberman conclui seu raciocínio com uma brincadeira. “Se Lorris e as demais cidades possuíssem a técnica de anúncios de beira de estrada do século XX, poderiam ter usado um letreiro como este:” [6]   

Assim, fica claro que as cidades começaram a colocar em dúvida a figura do feudo e da servidão medieval. Muitos senhores feudais, a princípio, não notaram a influência que os burgos teriam sobre o fim da economia medieval. Só a partir do século XIV isso ficou muito nítido. E daí para a instauração de novas taxas, novos impostos, foi um pulo. Cientes da riqueza dos burgos e buscando manter os seus privilégios, muitos senhores feudais passaram a criar novas obrigações. Alguns reinos, como veremos a seguir, buscando manter o exército e os privilégios da nobreza, aumentaram seus impostos e instituíram outros tantos. Muitas revoltas camponesas começaram a ocorrer. Nessas revoltas, ficava claro que os camponeses já enxergavam a sociedade de uma forma diferente, e as cidades contribuíram muito para isso.  

E quanto aos camponeses marginalizados, como se livrar desse “problema”? Em um texto anterior, lido por nós, apresentamos um documento histórico onde o papa Urbano II dava uma solução prática ao problema: enviar alguns camponeses para lutar nas Cruzadas. Assim, várias situações eram resolvidas: um “exército” era formado praticamente sem custo algum; novas áreas poderiam ser conquistadas, ajudando a resolver o problema da nobreza despossuída, além de impedir que uma massa de camponeses marginalizados tivesse tempo para roubar ou mesmo iniciar uma revolta.

As Cruzadas também auxiliaram na ocorrência das crises da Baixa Idade Média. Com elas, novas rotas comerciais foram abertas. No lugar da economia medieval, assumia a economia com forte apelo comercial, uma economia que daria origem ao capitalismo.

As crises epidêmicas

As crises epidêmicas pelas quais a humanidade já passou tornam-se fatos históricos de tamanha importância que muitos são os filmes, livros e imagens que registram o assunto. Elas mudam a forma como as pessoas encaram a sociedade, a vida. Vamos lembrar um caso próximo: a gripe relacionada ao vírus H1N1 (popularmente conhecida como gripe suína). Originada no México, ela fez com que a capital daquele país ficasse com as ruas vazias no período de surto[7] da doença. Isso porque as pessoas ficaram com medo de contrair a doença.

Aqui no Brasil, aulas foram suspensas, o álcool gel ficou bem conhecido, além de a gente relembrar que, na hora de expirar, a mãozinha deve cobrir o nariz...

E, recentemente, outra doença viral provocou um quadro muito mais grave. A Covid-19 foi responsável por dar início a uma pandemia, e que levou até maio de 2022 à morte de cerca 6.300.000 pessoas 

Na Idade Média muitas foram as crises epidêmicas e algumas vezes as doenças assumiram o (triste) papel de segregação[8] social. Trataremos deste assunto a partir de agora, lembrando que estamos falando de vidas, portanto, algo bastante sério.

Muitos livros de História dão conta de que os surtos de peste foram trazidos do Oriente, com as Cruzadas. Mas vale lembrar que antes das Cruzadas, bem antes, a Europa Medieval era assolada por crises epidêmicas. É fato, no entanto, que o maior surto se iniciou entre os séculos XII e XIV, se estendendo por muitos anos. A forma mais comumente conhecida foi a peste bubônica. A peste bubônica ficou popularmente conhecida como peste negra. Cerca de um terço da população da Europa morreu em virtude dessa doença. Para você ter uma simples ideia, é como se de três pessoas que viviam na época uma tivesse contraído a peste e morrido. No período, todas as explicações partiam da questão religiosa. Assim, Boccacio (citado no início desse texto), buscou justificar a ocorrência da peste como “um justo castigo divino”. E não só ele, mas muitas outras pessoas que viveram no período.

Hoje sabemos que a peste é transmitida pelas pulgas que se alimentam do sangue dos ratos e depois se alimentam do nosso. Elas transmitem uma bactéria que só foi descoberta bem no final do século XIX e recebeu o nome de Yersinia pestis. Muito mais forte do que os soldados medievais, a Yersinia não fazia distinção entre camponeses, senhores feudais e padres. Matou muitas, muitas, pessoas. Como os hábitos de higiene não eram muito comuns (na verdade, não eram praticados), as pessoas constantemente carregavam pulgas nas roupas. Assim, uma passava para a outra e, em poucos dias, o camponês, o senhor feudal, o padre apresentavam um quadro febril, seguido de um inchaço nas juntas (os bulbos), marcado por uma cor rubra (um vermelho bem escuro), indicando a necrose, ou seja, o apodrecimento dos tecidos, vasos sanguíneos e carne. Era a peste se manifestando dias após a picada da pulga.

Mas não foi só a peste bubônica que matou na Idade Média. Tivemos a peste pneumônica, muito pior inclusive. A peste pneumônica, acreditam os cientistas, seria decorrente da bubônica, só que transmitida por gotas de saliva. Se a bubônica era transmitida pela picada da pulga, bastava um doente tossir próximo a alguém sem cobrir a boca que a pneumônica se espalhava. E a doença se manifestava com uma força maior.

Havia outra doença que isolava pessoas e matava na Idade Média: a Hanseníase, popularmente conhecida como lepra. A doença “é infecciosa, de evolução crônica (muito longa) causada pelo Mycobacterium leprae, micro-organismo que acomete principalmente a pele e os nervos das extremidades do corpo. A doença tem um passado triste, de discriminação e isolamento dos doentes, que hoje já não existe e nem é necessário, pois a doença pode ser tratada e curada[9]. Mas, na Idade Média, as pessoas com hanseníase viviam isoladas da sociedade. Eram criados locais onde muitas delas passavam a viver, chamados de leprosários ou gafarias. Quem possuísse a doença deveria andar com objetos de metal pendurados pelo corpo, indicando que estava se aproximando. Talvez este seja o traço mais cruel das doenças na Idade Média: a segregação social.

Com as crises epidêmicas, a morte passou a ser representada com maior ênfase na Idade Média. Muitos foram os registros da doença. A religião também se manifestava na forma como as pessoas entendiam as doenças. Sem os equipamentos e o conhecimento que possuímos, as explicações eram praticamente todas pautadas nos princípios religiosos.


 

 

 

 

 

 

 

 Além do mais

Com a morte de muitos camponeses, várias foram as regiões da Europa que ficaram sem produzir absolutamente nada. Sem alimento a situação ficava cada vez pior. Só para termos uma ideia, muitas foram as regiões que quase viram pequenos reinos e feudos desaparecerem porque não havia gente para trabalhar. Morreu muita gente mesmo. Há um documento histórico que confirma isso: “A fim de que meus escritos não pereçam[10] juntamente com o autor, e este trabalho não seja destruído... deixo meu pergaminho[11] para ser continuado, caso algum dos membros da raça de Adão possa sobreviver à morte e queira continuar o trabalho por mim iniciado” [12].

Ficou claro que o homem medieval que escreveu as linhas acima não acreditava que alguém pudesse sair vivo de tamanha tragédia. E ele tinha motivos para isso. No final do século XIV a peste matava 200 pessoas por dia em Londres e cerca de 800 em Paris. O dado a seguir é ainda mais impressionante. Houve anos onde os índices de morte superaram os 700% de acréscimo, se comparados aos anos onde as crises epidêmicas não se manifestaram[13].

Sem camponeses, o sistema feudal se enfraquecia. Foram as crises epidêmicas uma das principais causas do fim do feudalismo, sem dúvidas.

Exercícios de Revisão

1) Escreva duas características que marcaram a Baixa Idade Média.

2) Como as pessoas contraíam a peste bubônica durante a Idade Média?



[2] Prática agrícola que dividia cultivável em partes (duas no sistema bienal, três no sistema trienal), deixando todo ano, alternadamente, uma dessas áreas sem cultivo, para que a terra naturalmente voltasse a ser fértil

[3] in FRANCO JR., Hilário. A Idade Média – O nascimento do Ocidente. – 6ª. ed. – São Paulo: Brasiliense, 1995. p.44

[4] Lembre-se que já discutimos sobre esse termo.

[5] Huberman, Leo. História da riqueza do homem/ Leo Huberman; tradução de Waltensir Dutra. – 21ª. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 28

[6] Huberman, Leo. História da riqueza do homem/ Leo Huberman; tradução de Waltensir Dutra. – 21ª. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 29

[7] Período onde a doença está se espalhando.

[8] Divisão, isolamento, separação

[9] www.dermatologia.net

[10] do verbo perecer, em nosso texto tem o significado de se perder, desaparecer, “morrer”.

[11] Uma espécie de folha onde se escreviam documentos, textos, cartas. Poderia ser feito de pele de animal. 

[12] in Huberman, Leo. História da riqueza do homem/ Leo Huberman; tradução de Waltensir Dutra. – 21ª. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 49

[13] Braudel, Fernand, 1902 - 1985. Civilização material, economia e capitalismo séculos XV - XVIII/ Fernand Braudel; tradução Telma Costa. - São Paulo: Martins Fones, 1995. p. 71


Nenhum comentário:

Postar um comentário