Notas sobre as armas e os guerreiros da Idade Média[i]
Olá.
Nosso texto base para o nosso 2º encontro virtual é, na verdade, um esforço em
trazer dez fragmentos acerca das armas e os guerreiros medievais, usando como
base bibliografia que segue nas notas de rodapé. Para que você consiga
efetivamente acompanhar a aula virtual é fundamental que tenha lido o presente
texto.
1º fragmento: "Os
contatos entre romanos e germânicos, remontam ao século I a.C., quando as
fronteiras do mundo romano alcançaram as regiões ao longo dos rios Reno e
Danúbio"[ii].
Para
que possamos efetivamente entender as características que marcaram as armas, os
guerreiros e os costumes bélicos da sociedade medieval, precisamos partir de um
ponto de origem. E esse ponto é o marcante contato dos romanos com os chamados
povos germânicos.
Tal
contato esteve diretamente relacionado à Expansão Romana, política
expansionista iniciada pelos romanos durante o 2º período dessa civilização, o
período republicano.
Roma nasceu em meio a outras civilizações, o que a fez adotar, desde o
inicio, uma postura defensiva. Por volta de 275 a.C., os romanos já haviam
conquistado todas as regiões da península itálica, passando agora para um
desafio bem maior: conquistar as regiões ao redor do mar Mediterrâneo. Em "pouco
mais de cinquenta anos, Roma conseguira transformar o Mediterrâneo inteiro em
mar romano e todo o mundo grego cairá ante as legiões de Roma"[iii].
Um século depois os romanos alargavam suas fronteiras, entrando em
contato com povos do centro e do norte europeus, dentre os quais os germanos. Observe
no mapa as regiões citadas.
Mas, afinal, quem eram os germanos?
"Longe de se constituírem em uma unidade política, subdividiam-se
em inúmeras tribos e confederações, quase sempre de base étnico-regional"[iv]. Havia desde povos que
praticavam a agricultura rudimentar, até cavaleiros nômades, vivendo da guerra,
da pilhagem e dos ataques. Não seria errado pensar que o exercício da guerra
era elemento fundamental para que um homem germânico fosse entendido como um home
livre. Aqui, vamos entrar em nosso segundo fragmento.
Abaixo um mapa com a localização dos rios citados. Lembrando que o rio que corta Roma é o Tibre.
2º fragmento: "Desde
os primeiros tempos do Império Romano tornou-se comum o alistamento de germanos
ocidentais nas unidades da Guarda Pretoriana; e a partir do século II, a
presença de contingentes de germânicos alistados como voluntários, nos
exércitos imperiais, foi uma constante"[v]
O que esse segundo fragmento nos
indica? Indica a germanização das forças militares de Roma. Por isso, o
professor Cyro de Barros Rezende Filho nos mostra que ainda no Império Romano o
termo para designar soldado passa a ser bárbaro. E as fábricas de armamento
recebem o sugestivo apelido de oficina dos bárbaros.
Reinos bárbaros podem ser considerados resultados das invasões nas
áreas do Império Romano e também de uma sociedade que se militarizou de maneira
impressionante, sendo que a figura do soldado, do guerreiro, foi muito
valorizada. Conjuntamente, as áreas começavam a se isolar, sendo que as cidades
passaram a desaparecer e os proprietários rurais ficaram cada vez mais
identificados com a figura de chefes militares. Além disso, esses proprietários
passaram a “identificar o Estado cada vez mais fiscalista e opressor,
procurando furtar-se às novas obrigações que lhes são impostas”[vi].
Não há dúvidas de que o conceito que irá marcar a ideia de armas e guerreiros na Idade Média é a conciliação de elementos romanos e bárbaros, mais especificamente germânicos.
Um guarda pretoriano.
Agora, mergulharemos em nosso terceiro fragmento.
3º fragmento:
"Houve de fato uma perda de qualidade bélica do exército romano, durante
os séculos IV e V, que pode ser vista por vários aspectos: decréscimo no grau
de disciplina e adestramento (abandono da posição de batalha em linha
escalonada e adoção da posição massiva de falange); adoção da tática de
combater o inimigo à distância, com o abandono do combate corpo-a-corpo (...);
valorização do emprego das unidades de cavalaria, em detrimento das de
infantaria pesada"[vii].
Há vários pontos aqui a serem destacados. E o principal deve partir do
entendimento de que manter e montar um exército requer volumosos recursos. Como
a civilização romana atravessava uma violenta crise econômica desde o começo do
século II d.C., ficou claro que a quantidade de recursos usados para equipar
homens e produzir armas caiu muito. E essa será uma característica marcante da
sociedade medieval. Além disso, apesar de presente, raros eram os casos de
cavalos usados na guerra.
Guerreiros medievais
4º fragmento: "A
profissão militar era a única honorável para esses conquistadores; os
guerreiros subsistiam pela posse de terras; seu prestígio variava conforme sua
influência junto aos vassalos, arrendatários, locatários e servos"[viii]
Aqui já estamos efetivamente tratando do contexto de transição do
Império Romano para o universo medieval, onde a sociedade se militarizou a tal
ponto que passa a ser representada por pequenos reinos e senhores, na maioria
das vezes ligados uns aos outros por vínculos de dependência (as relações de
suserania e vassalagem). Ainda temos presente a figura do rei guerreiro,
característico em muitas civilizações antigas.
Esses chefes guerreiros passaram a viver em construções fortificadas e
as armas a serem guardadas com maior cuidado. Disso deriva a palavra armário,
local onde se guardam as armas.
5º fragmento: “civilização nascida das grandes migrações
era uma civilização da guerra e da opressão”[ix].
A questão militar é tão forte que até em situações onde não existia um
conflito, ela estava presente. Dois exemplos básicos ilustram isso: “os
casamentos dos filhos dos reis e de aristocratas pressupõem sempre que um
contingente de guerreiros faça parte do dote da noiva. E qualquer funcionário leal, quando no exercício de suas funções
administrativas, faz-se sempre acompanhar por uma escolta de guerreiros”[x].
Bem, isso nos ajuda a explicar o porquê de conhecermos a sociedade
medieval pelas inúmeras guerras, castelos e guerreiros.
6º fragmento: "Os
primeiros castelos eram simples fortificações de madeira. Já no século 14 (...)
eles eram feitos de pedra"[xi]
Começamos aqui a entender que nem tudo o que nos contam sobre os
castelos medievais é efetivamente verdade. Extremamente simples em alguns
momentos, constituíam-se, em muitos casos, como a última tentativa em salvar os
chefes guerreiros e seus vassalos.
Fato é que castelos medievais jamais foram residências marcadas por
ambientes agradáveis. Ao contrário! É sabido que muitas dessas construções eram
ambientes bem insalubres, palcos de doenças das mais diversas ordens.
A primeira coisa que devemos ter clareza é de que não havia um padrão de
tamanho para os castelos. Havia desde os pequeninos, fortificações feitas de
madeira, até grandes construções, que chegavam a abrigar cidades em seus
interiores. Dentro dos castelos viviam diversas pessoas, de prestadores de
serviços aos membros mais poderosos da sociedade medieval.
Diante de uma sociedade profundamente militarizada, castelos cumpriam a
função de serem áreas mais seguras (ou menos inseguras). Tomá-los não era
tarefa fácil. Havia diversos mecanismos impedindo a entrada dos invasores.
A partir do nosso sétimo fragmento vamos começar a conhecer seus mecanismos de defesa.
Um típico castelo medieval
7º fragmento: “Para chegar ao portão era preciso atravessar uma ponte levadiça, que podia ser erguida em poucos segundos”[xii]
Configuradas como as áreas mais vulneráveis de um castelo, para a segurança
do mesmo era comum a presença de fossos cheios de água (havia também os fossos
secos), criando uma barreira.
Visando dar uma segurança ainda maior havia ainda uma grade levadiça,
que poderia ser baixada sobre os inimigos, matando-os.
Os mecanismos de proteção de um castelo não se limitavam as pontes,
grades... Havia fendas estreitas nos muros dos castelos, principalmente na área
de passeio (áreas onde os soldados circulavam no topo das muralhas), de onde os
soldados jogavam pedras, atiravam flechas, água quente, piche...
Caso queria mergulhar um pouco mais nos castelos medievais, leia o
seguinte texto: https://respirehistoria.blogspot.com/2019/01/10-texto-magazine-historico-do-7-ano.html
8º fragmento: “Pelas leis (...), a cabeça de um bispo valia
mais do que a cabeça do rei, tamanho era o respeito pelos eclesiásticos"[xiii]
É indiscutível que a Igreja Católica era a instituição mais poderosa da
Europa Medieval. Se a riqueza estava associada ao domínio da terra, a posse
dela, não nos causa surpresa o fato de que a Igreja fosse a maior proprietária,
direta e indiretamente. Um dado exemplifica isso: na Inglaterra do século XII,
dos 60215 feudos, 28015 pertenciam à Igreja[xiv].
Assim, conseguimos entender porque somente com auxílio direto da Igreja
as Cruzadas foram possíveis. Óbvio que houve o apoio dos reis mais ricos,
comerciantes prósperos... Mas muito da ideologia e das estruturas militares
foram constituídas graças ao volumoso capital da Santa Sé.
Se há algo que possa lembrar, mesmo que vagamente, expedições militares
de grande volume que marcaram a civilização romana durante a sua expansão, não
seria errado citar as Cruzadas. Se bem que...
Os cruzados eram os soldados dessas expedições. A verdade é que a
maioria dos homens vestia-se mal e parcamente, além de carregar armas
extremamente precárias, sem ter quase nenhum preparo, falta de apoio...
Excetuando alguns casos, o treinamento era inexistente. Portanto, a imagem de homens
bem vestidos e equipados chega a ser bem equivocada.
Movimento complexo, seja pelo seja pelo enorme período em que ocorreu -
desde os fins do século XI até meados do século XIII –, seja pelas enormes
mudanças que provocou na sociedade medieval, o termo cruzada em si está
diretamente ligado às vestimentas utilizadas pelos homens (os “soldados de
Cristo”).
As Cruzadas tiveram vários fatores que as motivaram, dentre os quais os
de natureza religiosa, social e econômica. A base, é claro, vem da própria cultura
e mentalidade presentes na época. A Igreja passou a defender a participação dos
fiéis na chamada “Guerra Santa”, “prometendo a eles recompensas divinas,
como a salvação da alma e a vida eterna, através de sucessivas pregações
realizadas em toda a Europa”[xv]. Seria mais ou menos
assim: “pecou? Quer ser perdoado? Um jeito é se tornar um Cruzado!”. O papa
Urbano II foi o idealizador da primeira Cruzada.
Caso queria conhecer um pouco mais sobre as Cruzadas leia o seguinte
texto: https://respirehistoria.blogspot.com/2019/01/11-texto-magazine-historico-da-emef.html
9º fragmento: "A
besta ou balestra, arma de arremesso manual de difícil manejo (por seu peso) e
custoso recarregamento (necessita de apoio dos pés e da ação simultânea das
duas mãos), projeta seus dardos de metal, mais longe, mais rápido e com melhor
pontaria, do que os arcos convencionais lançam suas setas"[xvi].
Se houve uma arma que aterrorizou os guerreiros medievais foi a besta.
Aliás, dado o grau de eficiência da mesma, legislações foram criadas para o seu
uso, mas, na maioria das vezes tais legislações não eram cumpridas. A guerra
medieval se tornou mais mortal.
A besta só irá perder seu papel de enorme destaque com a introdução da
pólvora e a popularização da mesma a partir do século XV.
Tínhamos também a presença de canhões a partir do século XIV. No início,
eram apenas tubos de metal presos a estruturas de madeira. E as ameias,
estruturas protetoras no topo das muralhas, evitando que o que era lançado para
dentro do castelo chegasse ao seu objetivo.
Uma besta!
10º fragmento:
"A figura do cavaleiro couraçado, peça fundamental das batalhas do
período, sem a qual a própria ideia de guerra era inimaginável, continuava,
sendo exclusivamente fornecida (com raríssimas exceções: algumas cidades do
norte da Itália) pelo feudo"[xvii].
Sei que é meio frustrante para os anseios daquelxs que se interessam
pela figura do cavaleiro medieval, mas... Raríssimos eram os casos onde as
guerras e combates poderiam contar com esses guerreiros. Cavalo, armadura,
cavaleiro bem treinado... Tudo isso custava e custava muito. Valores indicam que
um cavalo valia doze vezes uma ovelha na Inglaterra do século X[xviii]. Perder um animal na
guerra não seria um bom negócio, não é?
[i] Pedro Henrique Maloso Ramos
[ii]Rezende Filho, Cyro de
Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros Rezende Filho. – São
Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história geral). p. 16
[iii] Leoni, G.
D. “A Literatura de Roma” – 6ª ed. – São Paulo: Livraria Nobel S. A., 1961. p.
31
[iv] Rezende
Filho, Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros
Rezende Filho. – São Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história
geral). p. 17
[v] Rezende
Filho, Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros
Rezende Filho. – São Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história
geral). p. 17
[vi] Rezende
Filho, Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros
Rezende Filho. – São Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história
geral). p. 23. (modificado)
[vii] Rezende
Filho, Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros
Rezende Filho. – São Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história
geral). p. 23. (modificado) p. 16
[viii] Hume, David. 1711 - 1776. História da
Inglaterra: da invasão de Júlio César à Revolução de 1688/ David Hume; seleção,
tradução, apresentação e notas de Pedro Paulo Pimenta. - 2ª ed. -São Paulo:
Editora UNESP, 2017. pp. 33-34
[ix] Duby, G. Guerreiros
e camponeses. Trad., Lisboa: Estampa, 1980. In Rezende Filho,
Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros Rezende
Filho. – São Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história geral). p.
27.
[x] Rezende
Filho, Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros
Rezende Filho. – São Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história
geral). p. 28. (modificado)
[xi] Conhecer por Dentro. São Paulo: Empresa Folha da Manhã S.
A., 1995. p. 8
[xii] Conhecer
por Dentro. São Paulo: Empresa Folha da Manhã S. A., 1995. p. 8
[xiii] Hume, David. 1711 - 1776. História da
Inglaterra: da invasão de Júlio César à Revolução de 1688/ David Hume; seleção,
tradução, apresentação e notas de Pedro Paulo Pimenta. - 2ª ed. -São Paulo:
Editora UNESP, 2017. p. 51.
[xiv]
Hume, David. 1711 - 1776. História da Inglaterra: da invasão de Júlio
César à Revolução de 1688/ David Hume;p. 113;
[xv]
http://cozacekruger.blogspot.com/2009/04/cruzadas-as-cruzadas-sao.html
[xvi]
Rezende Filho, Cyro de Barros. Guerra e
guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros Rezende Filho. – São Paulo; Contexto,
1996. (Coleção repensando a história geral). p. 71.
[xvii] Rezende
Filho, Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média/ Cyro de Barros
Rezende Filho. – São Paulo; Contexto, 1996. (Coleção repensando a história
geral). p. 71.
[xviii] Hume, David. 1711 - 1776. História da Inglaterra: da invasão de Júlio César à Revolução de 1688/ David Hume; p. 58;
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