15º Texto - A formação dos Estados Nacionais
professor
Pedro Henrique Ramos
Nos últimos textos você
pôde perceber como ocorreu o desenvolvimento de uma “classe” social que se
diferenciava dos moldes da sociedade medieval. Mais surpreendente é perceber
que a burguesia surgiu justamente por fatores ocorridos dentro do mundo
medieval. E foi a burguesia uma das maiores responsáveis pela formação de
alguns dos Estados Nacionais. Em algumas situações seu poder político
(decorrente do crescimento econômico que conquistara) era tão grande que foI
ela quem sentou ao lado do rei para decidir algumas leis, discutir algumas
medidas que seriam adotadas, algumas regras que deveriam valer, obviamente
pensando no fato de que as atividades comerciais deveriam entrar na pauta de
reunião do futuro monarca.
O raciocínio era simples:
pergunta o burguês “você irá nos ajudar?”. O rei, sem muitas possibilidades de
escolha (e também acreditando que lucraria com a troca), respondia que sim.
“Pois bem, iremos financiar e apoiar o seu reino” responderiam os burgueses.
Essa questão do apoio da
burguesia ao rei derrubou definitivamente a figura do senhor feudal. Leo
Huberman, em seu livro a “História da Riqueza do Homem”, nos mostra isso.
Acompanhe um trecho que comprova a nossa afirmação:
“O rei fora um aliado forte das cidades na luta contra os senhores
feudais. Tudo o que reduzisse a força dos senhores feudais fortalecia o poder
real. Em recompensa pela sua ajuda, os cidadãos (aqui como habitantes das
cidades, os burgueses) estavam prontos a
auxiliar o rei com empréstimos em dinheiro. Isso era importante porque, com
dinheiro, o rei podia dispensar a ajuda militar de seus vassalos. Podia
contratar e pagar um exército pronto, sempre a seu serviço, sem depender da
lealdade de um senhor. Seria também um exército melhor, porque tinha uma única
ocupação: lutar. Os soldados feudais
não tinham preparo nem organização regular que lhes permitisse atuar em
conjunto, com harmonia”[1].
Neste primeiro trecho
fica claro que a frase “uma mão lava a outra” serviu direitinho para explicar a
relação entre os burgueses e os reis. Os burgueses queriam união: uma mesma
moeda, leis que funcionassem para todo território e impedissem que, a cada
feudo que passassem, os comerciantes tivessem que pagar pedágios e trocar
moedas. Além disso, queriam exércitos que combatessem ladrões nas estradas e
estradas melhores, facilitando as trocas comerciais. Já o rei precisava de
dinheiro para equipar o exército, para eliminar os vínculos de dependência com
os seus vassalos (que muitas vezes colocavam dificuldades para auxiliar um
suserano que estivesse aumentando seu poder). Nasciam os Estados Nacionais. No
entanto, outras situações fizeram parte da montagem das nações durante a Baixa
Idade Média.
Portugal e Espanha nos
ajudam a apresentar essas outras situações. Vamos começar por essas duas nações
que ficam na península Ibérica.
A Reconquista da Península Ibérica (a formação da Espanha e
Portugal)
Desde o início do século
VIII a península ibérica estava quase totalmente dominada pelos muçulmanos. Eram muitos os califados[2]. Os
cristãos que lá viviam ocupavam os territórios localizados ao norte da
península. A partir do século XI, as
Cruzadas no Oriente e as lutas internas pelo poder entre os muçulmanos
estimularam os cristãos a retomar os territórios ocupados pelos árabes na
Europa. A esse processo damos o nome de Reconquista Cristã, fundamental na
formação da Espanha e Portugal. Mas não ache que a burguesia não esteve
associada a esse processo. Veremos que o “dedinho” burguês aparece aqui também.
Espanha: aos poucos, os territórios que os
cristãos iam conquistando deram origem a reinos como Leão, Castela, Navarra e
Aragão. Uma vez constituídos, esses reinos travaram inúmeras lutas entre si,
gerando, muitas vezes, o desaparecimento de alguns reinos e o surgimento de
outros. As alianças pelo matrimônio também contribuíram para as mudanças das
fronteiras. Foi o caso do herdeiro do trono de Aragão, Fernando, que se casou
com Isabel, irmã do rei de Leão e Castela.
Mais tarde, essa união daria
origem à Espanha. A Espanha, a partir do século XV, contou diretamente com a
burguesia para iniciar suas conquistas e formar um vasto império.
Portugal: assim como a Espanha, o estado nacional português se originou
dentro do processo denominado de Reconquista Cristã, efetuado na Península
Ibérica sob a direção dos reinos cristãos de Leão e de Castela. O então rei de
Leão, Afonso VI (1072-1109) pretendia garantir a efetiva reconquista de alguns
territórios castelhanos – ainda sob o domínio muçulmano –, bem como expandir os
domínios cristãos aos territórios que hoje pertencem a Portugal – ou seja,
reconquistá-los. Para levar a cabo seu
projeto, D. Afonso VI contou com o apoio de dois franceses. Esses homens –
primos -, chamados Henrique de Borgonha e Raimundo de Borgonha,
receberiam como pagamento pelos serviços prestados, as mãos das filhas do rei
Afonso VI e os territórios do Condado Portucalense e da Galícia, respectivamente,
bem como as áreas castelhanas reconquistadas, que também ficariam sob o domínio
de Raimundo de Borgonha. No entanto, todas as áreas reconquistadas estariam
sujeitas ao rei Afonso VI. Com a unificação dos reinos de Castela e Leão,
agora sob o domínio do rei Raimundo de Borgonha, o Condado Portucalense passou
a ser de domínio castelhano.
O Condado
Portucalense, localizado no litoral oeste da Península Ibérica, se tornou, no
entanto, independente de Castela na primeira metade do século XII (1140), sob o
comando do filho de Henrique de Borgonha, o rei Afonso Henriques de Borgonha,
inaugurando assim a primeira dinastia portuguesa. Vale lembrar que a burguesia
apoiou diretamente essa independência.
A separação de Castela obviamente não ocorreu sem a
existência de conflitos. Os monarcas portugueses, no intuito de manter o reino,
continuaram os processos de expulsão dos mouros e de luta contra os
castelhanos, patrocinados pelos burgueses lusitanos. Os conflitos realizados durante uma parte da Baixa Idade Média (entre os
séculos XII e XIV) garantiriam a independência portuguesa, transformando o
reino e dando o esboço de suas características políticas, institucionais e
territoriais – devemos lembrar, no entanto, que o processo que levaria à
efetiva independência de Portugal só se completou no final da Revolução de Avis,
no século XIV (com auxílio da burguesia lusitana).
França e Inglaterra
Os casos da França e
Inglaterra são interessantes para entendermos a influência da burguesia e a
crise do Sistema Feudal. Veremos em textos futuros como tais fatores acabaram
levando à Guerra dos Cem Anos. Por enquanto, iremos analisar como essas nações
se formaram.
Vamos começar pela
França.
França: a formação da França teve início no
final do século XII, quando o poder real tomou medidas para enfraquecer a
nobreza, por exemplo criando um exército assalariado sob domínio real e taxando
os bens da Igreja. Além de controlar a Igreja francesa, o rei Felipe, o Belo,
que governou a França entre 1285 e 1314, convocou uma
assembleia composta pelo clero, nobreza e representantes das cidades
(burguesia) para comunicar suas decisões. Essa assembleia ficou sendo conhecida
posteriormente como Estados Gerais.
A burguesia na França foi
um misto de parceria e criticas aos futuros reis franceses. A situação,
iniciada no século XIII, só foi resolvida no final do século XVIII, na Revolução
Francesa. O que nos importa aqui é saber que, desde a formação do reino
francês, a burguesia influenciou diretamente os rumos da nação francesa.
Inglaterra: alguns historiadores afirmam que a monarquia inglesa foi um
dos casos mais interessantes para explicar as crises medievais e a ascensão da
burguesia.
Na Inglaterra a
centralização do poder originou-se com Henrique II no século XII, mas
enfraqueceu-se durante o governo de seu sucessor, o rei Ricardo Coração de
Leão, ausente da Inglaterra durante grande parte de seu reinado, lutando nas
Cruzadas.
João Sem-Terra[3] sucedeu
Ricardo e logo teve de enfrentar a oposição dos nobres, descontentes com as
pesadas taxas que pagavam para sustentar os gastos militares. Pressionado pela
nobreza, pelo clero e pela burguesia, João Sem-Terra assinou, em 1215, a Magna Carta, cujo
principal objetivo era limitar os poderes do rei. Segundo os historiadores, a
burguesia pressionou muito o rei inglês para que o mesmo garantisse a adoção de
algumas medidas já neste documento (veja que o trecho que abre o nosso texto fala
sobre a nação inglesa).
Uma das muitas
representações desse importante momento da História Inglesa!
Além do mais
Você já reparou nos nomes
das pessoas que viviam na Idade Média? Temos o Adalberon de Laon, o Gilbert de
Neville, o Robert de Bedford... Parece que os sobrenomes das pessoas faziam
referência a algum lugar, não é mesmo? Pois bem, não só parece. É isso mesmo.
Laon, por exemplo, é hoje
uma cidade francesa, que fica a nordeste de Paris. Possui muitas construções
medievais, algumas delas erguidas na época em que era apenas uma das muitas
regiões feudais, quando certo bispo Adalberon caminhava por lá. Há outros
exemplos, mais famosos eu diria. Leonardo da Vinci adivinha por quê? Porque
Leonardo nasceu em Vinci, um povoado próximo à Firenze. Interessante, não é?
Seria assim, caso se pegássemos
o caso de algumas pessoas que trabalham na escola: André de São Paulo, Pedro de
Piracicaba.
Mas não era só o lugar
que determinava o sobrenome de uma pessoa na Idade Média. Na verdade, com o aparecimento
das corporações de ofício, com as associações comerciais, algumas pessoas
recebiam o nome conforme o seu ofício. No caso do sobrenome Schumacher o
significado é sapateiro. E nas terras geladas do norte da Europa muitos foram
os sapateiros que se consagraram durante a Idade Média. Afinal, um par de
sapatos era artigo de luxo nesse período e, sem exageros, decidia se a pessoa
manteria os pés aquecidos ou os veria necrosar por causa do frio.
Já na França a figura do
cavaleiro foi bem representativa desde o reino franco, quando Carlos Martel
venceu os árabes. Por isso, Chevalier tornou-se um sobrenome comum na França. E
chevalier é cavaleiro.
Exercícios de revisão
1) Faça uma breve análise
da frase abaixo: "a burguesia não ajudou na formação dos Estados
Nacionais". A frase está correta ou não? Argumente.
2) Qual foi o primeiro
Estado Nacional a ser formado? Escreva duas características do mesmo.
[1] Huberman, Leo. História da riqueza do homem/ Leo Huberman;
tradução de Waltensir Dutra. – 21ª. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
pp.72 – 73 (adaptado)
[2] Domínio controlado por um califa. E califa é... Califa: é o soberano, muitas vezes com
poderes espirituais e políticos sobre os muçulmanos. Fazendo apenas uma simples
comparação corresponderia a um grande chefe do lado ocidental, mas com mais
poder do que um senhor feudal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário