13º Texto - A Baixa
Idade Média
professor Pedro Henrique Ramos
Muitos foram os fatos que
mostraram que a Baixa Idade Média já apresentava características muito
diferentes da Alta Idade Média. Se tivéssemos uma máquina do tempo e pudéssemos
visitar o século VII, na Alta Idade Média, e depois o século XIV, já na Baixa
Idade Média, voltaríamos com a certeza de que a sociedade não era a mesma, isso
é fato. Nos cabe agora comprovar essa afirmação.
Conforme visto no texto
passado, a produção agrícola aumentou de maneira significativa entre os séculos
X e XI. E muitos fatores contribuíram para que isso ocorresse. Vale lembrar que
a produção agrícola, em algumas áreas da Europa Medieval, obedecia a um sistema
conhecido por bienal. Isso significa dizer que a terra era dividida em dois
lotes, sendo que um produzia e outro ficava em descanso (em pousio[1]).
Assim, a área em descanso voltava a ser fértil. O problema era que se em um ano
as áreas com cultivo fossem atingidas por geadas, certamente as populações
passariam fome. Além do fato de se produzir menos, já que 50% das terras
estavam em descanso.
Porém, a partir do século VIII, algumas áreas
centrais da Europa começaram a utilizar o sistema trienal. A terra agora era
dividida em três lotes. Isso, segundo o historiador Charles Parain, pode ser
compreendido “como a maior inovação
agrícola da Idade Média”[2]. E
ele tem motivos de sobra para afirmar isso. Acompanhe a tabela abaixo:
Sistema Trienal
|
Campo A
|
Campo B
|
Campo C
|
Ano 1
|
Trigo e centeio
|
Descanso (pousio)
|
Aveia
|
Ano 2
|
Aveia
|
Trigo e centeio
|
Descanso (pousio)
|
Ano 3
|
Descanso (pousio)
|
Aveia
|
Trigo e centeio
|
Com o sistema trienal
apenas 1/3 da terra ficava sem produzir, o que aumentou a produção em cerca de
30%, se compararmos com o sistema bienal. O aumento na produção dos alimentos
levou a uma queda nas taxas de mortalidade, decorrentes de surtos de fome,
comuns na Alta Idade Média, além de levar à produção do excedente, que começou
a ser comercializado nas feiras e villas[3].
Outro fator recentemente
apresentado pelos historiadores, com o auxílio de outros cientistas, foi o fato
de que os invernos a partir do século XI começaram a se tornar menos rigorosos,
o que fez com que as plantações não sofressem tanto com as geadas e as pessoas
não morressem de frio. Com o aumento da população, muitas áreas tornaram-se
campos cultiváveis. Não seria exagero pensar que a figura do camponês
derrubando árvores para iniciar o plantio em um campo fosse a imagem mais comum
do início da Baixa Idade Média.
Tais eventos, no entanto,
auxiliaram a ocorrência das crises medievais. Sem os mesmos, muito
provavelmente as crises não teriam ocorrido com tamanha intensidade.
As crises...
O aumento populacional
levou a um problema simples: o esgotamento dos feudos. Muitos eram os
camponeses marginalizados. Marginalizados literalmente, já que viviam às
margens dos feudos. Muitos começavam a roubar para poder sobreviver. Outros,
como vimos, viviam dos excedentes, revendendo-os nos burgos e feiras. Estes
deram origem aos comerciantes. Aliás, a cidade passou a assumir o sinônimo de
liberdade. Por isso, Leo Huberman escreveu o seguinte em seu livro “A história
da riqueza do homem”: “A população das
cidades queria liberdade. Queria ir e vir quando lhe aprouvesse. Um velho
provérbio alemão, aplicável a toda a Europa Ocidental, ‘o ar da cidade torna um
homem livre’”[4]. Huberman
conclui seu raciocínio com uma brincadeira. “Se Lorris e as demais cidades possuíssem a técnica de anúncios de beira
de estrada do século XX, poderiam ter usado um letreiro como este:”[5]
Assim, fica claro que as
cidades começaram a colocar em dúvida a figura do feudo e da servidão medieval.
Muitos senhores feudais, a princípio, não notaram a influência que os burgos
teriam sobre o fim da economia medieval. Só a partir do século XIV isso ficou
muito nítido. E daí para a instauração de novas taxas, novos impostos, foi um
pulo. Cientes da riqueza dos burgos e buscando manter os seus privilégios,
muitos senhores feudais passaram a criar novas obrigações. Alguns reinos, como
veremos a seguir, buscando manter o exército e os privilégios da nobreza,
aumentaram seus impostos e instituíram outros tantos. Muitas revoltas
camponesas começaram a ocorrer. Nessas revoltas, ficava claro que os camponeses
já enxergavam a sociedade de uma forma diferente, e as cidades contribuíram
muito para isso.
E quanto aos camponeses
marginalizados, como se livrar desse “problema”? No 11º texto lido por nós
apresentamos um documento histórico onde o papa Urbano II dava uma solução
prática ao problema: enviar alguns camponeses para lutar nas Cruzadas. Assim,
várias situações eram resolvidas: um “exército” era formado praticamente sem
custo algum; novas áreas poderiam ser conquistadas, ajudando a resolver o
problema da nobreza despossuída, além de impedir que uma massa de camponeses
marginalizados tivesse tempo para roubar ou mesmo iniciar uma revolta.
As Cruzadas também auxiliaram
na ocorrência das crises da Baixa Idade Média. Com elas, novas rotas comerciais
foram abertas. No lugar da economia medieval, assumia a economia com forte
apelo comercial, uma economia que daria origem ao capitalismo.
As crises epidêmicas
As crises epidêmicas pelas
quais a humanidade já passou tornam-se fatos históricos de tamanha importância
que muitos são os filmes, livros e imagens que registram o assunto. Elas mudam
a forma como as pessoas encaram a sociedade, a vida. Vamos lembrar um caso
próximo: a gripe relacionada ao vírus H1N1 (popularmente conhecida como gripe
suína). Originada no México, ela fez com que a capital daquele país ficasse com
as ruas vazias no período de surto[6]
da doença. Isso porque as pessoas ficaram com medo de contrair a doença.
Aqui no Brasil, aulas
foram suspensas, o álcool gel ficou bem conhecido, além de a gente relembrar
que, na hora de expirar, a mãozinha deve cobrir o nariz...
Na Idade Média muitas
foram as crises epidêmicas e algumas vezes as doenças assumiram o (triste)
papel de segregação[7]
social. Trataremos deste assunto a partir de agora, lembrando que estamos
falando de vidas, portanto, algo bastante sério.
Muitos livros de História
dão conta de que os surtos de peste foram trazidos do Oriente, com as Cruzadas.
Mas vale lembrar que antes das Cruzadas, bem antes, a Europa Medieval era
assolada por crises epidêmicas. É fato, no entanto, que o maior surto se
iniciou entre os séculos XII e XIV, se estendendo por muitos anos. A forma mais
comumente conhecida foi a peste bubônica. A peste bubônica ficou popularmente
conhecida como peste negra. Cerca de um terço da população da Europa morreu em
virtude dessa doença. Para você ter uma simples ideia, é como se de três
pessoas que viviam na época uma tivesse contraído a peste e morrido. No período,
todas as explicações partiam da questão religiosa. Assim, Boccacio (citado no
início desse texto), buscou justificar a ocorrência da peste como “um justo
castigo divino”. E não só ele, mas muitas outras pessoas que viveram no
período.
Hoje sabemos que a peste
é transmitida pelas pulgas que se alimentam do sangue dos ratos e depois se
alimentam do nosso. Elas transmitem uma bactéria que só foi descoberta bem no
final do século XIX e recebeu o nome de Yersinia
pestis..Muito mais forte do que os soldados medievais, a Yersinia não fazia distinção entre
camponeses, senhores feudais e padres. Matou muitas, muitas, pessoas. Como os
hábitos de higiene não eram muito comuns (na verdade, não eram praticados), as
pessoas constantemente carregavam pulgas nas roupas. Assim, uma passava para a
outra e, em poucos dias, o camponês, o senhor feudal, o padre apresentavam um
quadro febril, seguido de um inchaço nas juntas (os bulbos), marcado por uma
cor rubra (um vermelho bem escuro), indicando a necrose, ou seja, o
apodrecimento dos tecidos, vasos sanguíneos e carne. Era a peste se
manifestando dias após a picada da pulga.
Mas não foi só a peste
bubônica que matou na Idade Média. Tivemos a peste pneumônica, muito pior
inclusive. A peste pneumônica, acreditam os cientistas, seria decorrente da
bubônica, só que transmitida por gotas de saliva. Se a bubônica era transmitida
pela picada da pulga, bastava um doente tossir próximo a alguém sem cobrir a
boca que a pneumônica se espalhava. E a doença se manifestava com uma força
maior.
Havia outra doença que
isolava pessoas e matava na Idade Média: a Hanseníase, popularmente conhecida
como lepra. A doença “é infecciosa, de
evolução crônica (muito longa)
causada pelo Mycobacterium leprae, micro-organismo
que acomete principalmente a pele e os nervos das extremidades do corpo. A
doença tem um passado triste, de discriminação e isolamento dos doentes, que
hoje já não existe e nem é necessário, pois a doença pode ser tratada e curada”[8].
Mas, na Idade Média, as pessoas com hanseníase viviam isoladas da sociedade.
Eram criados locais onde muitas delas passavam a viver, chamados de leprosários
ou gafarias. Quem possuísse a doença deveria andar com objetos de metal
pendurados pelo corpo, indicando que estava se aproximando. Talvez este seja o
traço mais cruel das doenças na Idade Média: a segregação social.
Com as crises epidêmicas,
a morte passou a ser representada com maior ênfase na Idade Média. Muitos foram
os registros da doença. A religião também se manifestava na forma como as pessoas
entendiam as doenças. Sem os equipamentos e o conhecimento que possuímos, as
explicações eram praticamente todas pautadas nos princípios religiosos.
Além do mais
Com a morte de muitos
camponeses, várias foram as regiões da Europa que ficaram sem produzir
absolutamente nada. Sem alimento a situação ficava cada vez pior. Só para termos
uma ideia, muitas foram as regiões que quase viram pequenos reinos e feudos
desparecerem porque não havia gente para trabalhar. Morreu muita gente mesmo.
Há um documento histórico que confirma isso: “A fim de que meus escritos não pereçam[9] juntamente
com o autor, e este trabalho não seja destruído... deixo meu pergaminho[10]
para ser continuado, caso algum dos membros da raça de Adão possa sobreviver à
morte e queira continuar o trabalho por mim iniciado”[11].
Ficou claro que o homem
medieval que escreveu as linhas acima não acreditava que alguém pudesse sair
vivo de tamanha tragédia. E ele tinha motivos para isso. No final do século XIV
a peste matava 200 pessoas por dia em Londres e cerca de 800 em Paris. O dado a
seguir é ainda mais impressionante. Houve anos onde os índices de morte superaram
os 700% de acréscimo, se comparados aos anos onde as crises epidêmicas não se
manifestaram[12].
Sem camponeses, o sistema
feudal se enfraquecia. Foram as crises epidêmicas uma das principais causas do
fim do feudalismo, sem dúvidas.
Exercícios de Revisão
1) Escreva duas
características que marcaram a Baixa Idade Média.
2) Como as pessoas
contraíam a peste bubônica durante a Idade Média?
[1] prática agrícola que dividia cultivável em partes
(duas no sistema bienal, três no sistema trienal), deixando todo ano,
alternadamente, uma dessas áreas sem cultivo, para que a terra naturalmente
voltasse a ser fértil
[2] in FRANCO
JR., Hilário. A Idade Média – O nascimento do Ocidente. – 6ª. ed. – São Paulo:
Brasiliense, 1995. p.44
[3] lembre-se
que já discutimos sobre esse termo.
[4] Huberman, Leo. História da riqueza do homem/ Leo
Huberman; tradução de Waltensir Dutra. – 21ª. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara,
1986. p. 28
[5] Huberman, Leo. História da riqueza do homem/ Leo
Huberman; tradução de Waltensir Dutra. – 21ª. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara,
1986. p. 29
[6] período onde a doença está se espalhando.
[7] divisão, isolamento, separação
[8] www.dermatologia.net
[9] do verbo perecer, em nosso texto tem o significado de
se perder, desaparecer, “morrer”.
[10] uma espécie de folha onde se escreviam documentos,
textos, cartas. Poderia ser feito de pele de animal.
[11] in Huberman,
Leo. História da riqueza do homem/ Leo Huberman; tradução de Waltensir Dutra. –
21ª. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 49
[12] Braudel, Fernand, 1902 - 1985. Civilização material,
economia e capitalismo séculos XV - XVIII/ Fernand Braudel; tradução Telma
Costa. - São Paulo: Martins Fones, 1995. p. 71
muito legal
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