Texto-base – 2ºOIA
Revoltas camponesas no século XIV
Professor Pedro Henrique Maloso Ramos
Nas aulas de História pudemos compreender que o universo medieval era composto por uma situação conflituosa (na verdade, uma série de situações conflituosas): as relações dos senhores feudais e servos.
Ao passo que os servos viviam uma
realidade de opressão, escassez e penúria, eram fundamentais para a manutenção
dos senhores feudais e, consequentemente, dos feudos. Oras, indiscutivelmente,
essa não era uma realidade baseada na tranquilidade e na premissa de
coletivismo, por mais que a Igreja buscasse passar essa ideia para os servos.
Daí para que situações explosivas rolassem...
Tanto que abordamos esse ponto em um
texto nosso. Eis um trecho para relembrarmos, onde analisamos tais problemas
sob o prisma dos Renascimentos Comercial e Urbano:
“as cidades começaram a colocar em
dúvida a figura do feudo e da servidão medieval. Muitos senhores feudais, a
princípio, não notaram a influência que os burgos teriam sobre o fim da
economia medieval. Só a partir do século XIV isso ficou muito nítido. E daí
para a instauração de novas taxas, novos impostos, foi um pulo. Cientes da riqueza
dos burgos e buscando manter os seus privilégios, muitos senhores feudais
passaram a criar novas obrigações. Alguns reinos, (...), buscando manter o
exército e os privilégios da nobreza, aumentaram seus impostos e instituíram
outros tantos. Muitas revoltas camponesas começaram a ocorrer. Nessas revoltas,
ficava claro que os camponeses já enxergavam a sociedade de uma forma
diferente, e as cidades contribuíram muito para isso.”[1]
Por isso, uma das marcas do século
XIV foi a das revoltas camponesas, ocorridas especialmente na França e na
Inglaterra. E tais revoltas foram violentamente reprimidas pelos senhores feudais,
diretamente apoiados pela Igreja Católica.
As crises epidêmicas e as Guerras
(seja a dos Cem Anos ou das Duas Rosas, esta no caso inglês) pioraram o que já
era muito ruim. Campos em guerra não recebem plantação. Camponeses lutando não
produzem. A fome voltou a se alastrar pela Europa Medieval, agora em companhia
da mortal Peste Negra.
A situação tornou-se tão grave que
passou a ganhar uma designação: as Jacqueries!
Logo explicaremos esse termo.
As reivindicações dos camponeses nada
tinham de extravagante e, digamos, já eram centenárias: que nem toda (ou quase toda)
a produção agrícola fosse pra alimentar a nobreza e pagar as obrigações servis;
que os laços de servidão não fossem marcados por uma absurda exploração da
força de trabalho campesina. Óbvio que os senhores feudais permaneceram sem
ouvir, sem atender.
Ao contrário, leis foram aplicadas e
reforçadas para garantir que nenhum servo decidisse ter rompantes de liberdade,
sair do feudo e ir viver na cidade, onde “o ar torna o homem livre”. Daí...
Revoltas violentas começaram ser corriqueiras. Segue uma pequena lista
- 1358: revolta camponesa na França. É considerada uma das maiores e, de onde, surge o termo
Jacquerie.
Ocorrida no norte
francês, supostamente teria sido liderada por Jacques Bonhomme, um camponês
medieval. Mas há quem afirme que o termo veio do fato dos camponeses usarem uma
espécie de jaqueta curta. E jaqueta em inglês é...Jacket. Válido lembrar que durante a Guerra dos Cem Anos, e mesmo
antes, os ingleses ocuparam o norte da França. Fato é que o apelido acabou espalhando-se por
diversas regiões europeias.
Como terminou? Com o
exército francês massacrando os camponeses entre os dias 9 e 10 de junho de
1358.
- 1381: agora é em solo inglês. E a coisa aqui também foi bem séria.
Conhecidas como Revoltas dos Camponeses (Peasants’
Revolt), a narrativa até chegar nelas é muito parecida com o que vimos até
agora: efeitos da Peste Negra, das Guerras, das novas taxas e impostos...
Tanto que o gatilho para
a explosão dos revoltosos veio quando o oficial real, John Bampton, no
dia 30/05/1381, tentou cobrar impostos eleitorais que não foram pagos por parte
dos camponeses. Bem, a violência explodiu com uma intensidade brutal. Cartórios
e documentos queimados, a exigência de que tais taxas fossem retiradas, o fim
dos vínculos de servidão, a deposição de funcionários do rei Ricardo II...
Inspirados pelos
sermões do clérigo John Ball (um membro da Igreja com ideias e conceitos vanguardistas
e reformadores) e pelo líder campesina Wat Tyler, os revoltosos, em 13 de junho, entraram em Londres e, acompanhados por
muitos moradores locais, atacaram as prisões, destruíram o Palácio Savoy,
incendiaram livros de leis e edifícios no Templo e mataram qualquer pessoa
associada ao governo real.
No dia seguinte, o rei Ricardo II conheceu os rebeldes, e
concordou com a maioria de suas exigências, incluindo a abolição da servidão. No
mesmo momento alguns camponeses invadiram a Torre de Londres e mataram algumas
das mais importantes figuras da monarquia inglesa, dentre as quais Robert
Hales, maior responsável pelo Tesouro Real.
Imagem de 1470, presente nas Crônicas de Jean Froissart, do rei Ricardo II conhecendo os revoltosos.
Fato é que de ambas as partes faltava qualquer
elemento concreto para garantir que as promessas reais seriam cumpridas. Tanto
que, em 15/06/1381, Tyler e diversos revoltosos foram mortos pelas forças
reais, e, usando novamente do discurso de que as exigências seriam atendidas, o
rei inglês teve tempo de reunir o exército inglês (cerca de quatro mil homens)
e liquidar, no final de junho, mais de mil e quinhentos camponeses.
Imagens de camponeses medievais cuidando de ovelhas. Ilustração de Luttrell Psalter (século XIV).
Mas o que essas revoltas nos mostram?
Que a Europa do feudo, da servidão medieval, da lógica senhor feudal – servo estava
agonizando. Tinha seu fim claro e evidente. Tanto que os ingleses perceberam
que quanto antes acabassem com os vínculos de Suserania e Vassalagem, e
fortalecessem a figura de um rei e de um Estado Nacional centralizado, melhor
seria para evitar que camponeses voltassem a causar tantos estragos. Afinal,
quando uma massa grande de servos se reúne só mesmo o exército para dar conta.
E exércitos só poderiam ser efetivamente formados em Estados Nacionais fortes.
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