James
Cook – 4ª Parte[1]
Vamos iniciar o nosso
último texto[2]
sobre James Cook. Neste texto conheceremos a terceira expedição realizada pelo
comandante inglês, bem como os eventos que levaram a morte deste intrépido
navegador. Faremos também algumas análises do papel do “explorador do Pacífico”
para o desenvolvimento do império britânico e das atividades marítimas.
A terceira viagem de Cook
ocorreu entre 1776 e 1780, sendo a mesma empreendida pelas embarcações Resolution (comandada por Cook) e Discovery. Antes de tratarmos
efetivamente da viagem, vamos relatar outros fatos de notória importância.
Cook estava adoentado
quando retornou à Inglaterra, em 1775. O explorador estava acometido de uma
cólica biliar[3],
“que sofrera na Antártica, e que mais tarde seria diagnosticada como sendo uma
infecção aguda da vesícula biliar” [4].
Além da enfermidade, Cook há tempos não convivia com a família. O endereço da
família Cook era uma casa simples em Mile
End, próximo a Greenwich. Elizabeth, a esposa de Cook, foi mãe de seis
filhos, porém só um passou dos 18 anos. A senhora Cook, no entanto, faleceu em
1835, aos 93 anos, quando “a era dos barcos a vapor já se iniciara” [5].
Viu seu marido pela última vez em 1776, quando James partiu para sua terceira e
última expedição.
Um mapa de Mile End no final do século XIX[6].
A bordo do Resolution, Cook partiu para o que seria
certamente a sua mais difícil expedição naval. Alan Villers disserta que a
terceira viagem “tinha como objetivo a solução de um velho problema, o de
encontrar uma rota marítima entre a Inglaterra e as Índias Orientais por uma
passagem no hemisfério norte. A abertura de tal rota, ainda que viável apenas
durante o verão, encurtaria as viagens e contribuiria enormemente para o
crescimento do comércio. Como haviam falhado todas as tentativas anteriores de
encontrar essa passagem setentrional a partir do Atlântico, o que se decidiu
foi enviar Cook, o explorador do Pacífico, para que encontrasse o caminho a
partir desse oceano” [7].
Não trabalharei ainda a
questão do desconhecimento acerca das regiões do Pacífico Norte, porém cabe
destacar que muitas das viagens de Cook não tiveram apenas um caráter
exploratório, mas foram profundamente ligadas às descobertas (não que os dois
termos não estejam encaixados, porém as expedições desbravadoras, como as de
Cook, estavam cercadas de incertezas e, muitas, confirmaram a dificuldade em
explorar determinadas áreas, como veremos adiante).
Outras questões também
dificultaram a expedição de James Cook. A década de 70 do século XVIII foi
potencialmente dramática para os ingleses, se tratando de um momento de grande
tensão. Se a nação inglesa vivia o florescimento da Revolução Industrial, com o
advento da máquina a vapor, em 1768[8],
e outros equipamentos, vivia também os resquícios da Guerra dos Sete Anos (1756
– 1763), conflito entre ingleses e franceses, vencidos por aqueles. Para sanar
as dívidas, herdadas com os conflitos, e recuperar a economia metropolitana, os
ingleses aumentaram a política fiscal em suas áreas coloniais, em especial na
região das treze colônias, o que provocou imediato descontentamento entre os
colonos. Há que se pontuar também que a efetiva aplicação dos Atos de Navegação
já havia criado problemas entre a Metrópole e suas áreas coloniais. A
aristocracia mercantil colonial dominava, em certa medida, a economia das áreas
coloniais, devido à intervenção na distribuição de recursos. Tal prática
acabava causando conflitos entre o comércio colonial e o comércio
metropolitano. Devido a esse fato, a metrópole passou a aplicar sobre suas
áreas coloniais leis que garantissem e efetivassem a aplicação dos Atos de
Navegação, sendo que estes tinham como objetivo proteger o comércio
metropolitano, principalmente no tocante às suas colônias. Foram as atividades
de contrabando, realizada pelos colonos, que dificultaram a efetiva aplicação
das medidas protecionistas pela metrópole.
Representação de uma
batalha da Guerra dos Sete Anos[9].
Outra questão de notória
importância foi o florescimento das ideias iluministas na Europa, em pouco
tempo assimiladas pelos colonos ingleses, endossando o discurso que levaria à Revolução
Americana, em 1776. Também não podemos deixar de pontuar que a própria
Revolução Industrial trazia uma demanda cada vez maior de matérias-primas,
necessárias para o fabrico dos produtos manufaturados, o que aumentou a
exploração nas áreas coloniais e, consequentemente, os conflitos entre as áreas
coloniais e a metrópole[10].
Portanto, “a bordo” da
expedição, Cook levava uma metrópole que buscava efetivar as medidas mercantis,
atendendo as demandas que se faziam presentes, e, por isso mesmo, envolvida em
conflitos com as treze colônias desde 1775[11],
uma Inglaterra que havia saído a pouco de um conflito com os franceses, com
resultados além do Continente Europeu. E, concomitantemente, vivia as ideias
iluministas, que, se por um lado abrilhantaram as viagens de Cook, através da
figura de Banks, por exemplo, criaram dispositivos que levariam aos conflitos
entre as áreas coloniais e a metrópole.
Devido a essa conjunção de
fatores, não é de se estranhar que as duas embarcações haviam passado por
reformas insuficientes. Os recursos da metrópole se destinavam,
majoritariamente, para a Guerra de Independência.
1776! Apesar dos esforços
ingleses, no dia 4 de julho, as treze colônias ingleses alcançavam a
independência[12].
Cook partiu no dia 12 de
julho de 1776. Carregava consigo um salvo-conduto, fornecido por Benjamin
Franklin, então novo embaixador dos Estados Unidos na França. Villers disserta
que, para Franklin, a guerra não deveria constituir um empecilho para o avanço
cientifico.
Primeiramente, Cook seguiu
até o cabo da Boa Esperança, partindo então para o Oceano Índico, antes
passando pelas ilhas Kérguelen. “Em dezembro de 1777 os exploradores adentraram
o Pacífico Norte, onde Cook descobriu as ilhas Christmas. Em 17 de janeiro de
1778, tornaram-se os primeiros europeus a visitar as ilhas Sandwich, atual
Havaí” [13].
Cook fez do Havaí a base principal para a exploração da região. Foi a partir
das ilhas que havia batizado de Sandwich, em homenagem a um nobre amigo e um
dos seus patrocinadores, John Montagu, 4º Conde de Sandwich, que Cook começou a realizar diversas
expedições pelo noroeste americano. Chegou até onde hoje se encontra a cidade
de Anchorage, próxima ao estuário que recebera o sobrenome do intrépido inglês,
o estuário Cook. “Dali enviou Bligh[14]
e alguns tripulantes em pequenos botes para que se internassem na região.
Quanto mais se afastavam do mar, mais doce ficava a água – mas não havia
passagem” [15].
Anchorage (Alasca, EUA)
nos dias atuais[16].
Cook continuou a
exploração pela região, mapeando de maneira esplendida parte significativa do
litoral noroeste da América: desde o Oregon até um pouco além do estreito de
Bering. “Dias depois de alcançarem a latitude de 70º44’N – sua posição mais ao
norte -, fizeram meia-volta e foram invernar no Havaí.” [17].
A morte de Cook, aos
cinquenta anos, no dia 14 de fevereiro de 1779, foi marcada por uma sucessão de
eventos desastrosos. Após a exploração da região do Alasca não ter atingido os
objetivos pretendidos, Cook enfrentou outros diversos e sérios problemas, desde
tempestades que danificaram o mastro de proa do Resolution até conflitos entre os nativos e seus comandados.
Os
tripulantes haviam criado inimizades com os nativos do Havaí devido a pilhagens
dos recursos existentes na ilha. Com problemas no Resolution, Cook teve que retornar à baía de Kealakekua, no Havaí,
para reparar os danos da embarcação e, assim, seguir viagem. Porém, o comandante
sabia que enfrentaria problemas assim que pisasse novamente na ilha. Logo após
o desembarque, os nativos apareceram em atitude ameaçadora. Peças das duas
embarcações começaram a ser pilhadas pelos nativos, em uma atitude de
retaliação à rapinagem realizada pelos ingleses anteriormente. “Um bote do Discovery foi surrupiado e os nativos
recusaram-se a devolvê-lo.
Como era seu costume, Cook
desembarcou a fim de capturar um dos principais chefes e usá-lo como refém na
troca de pelo bote. Talvez pelo fato de saberem que o bote já fora desmantelado
para aproveitamento das peças de metal, os havaianos fizeram uma ruidosa
manifestação de protesto, que logo degenerou em conflito aberto. Só restou a
Cook retornar à praia e, ao Resolution,
sob um violento ataque com pedras.
O bote de Cook já começava
a se afastar da praia. Mosquetes começaram a ser disparados. Alguns tiros foram
contidos pelas esteiras que protegiam o corpo dos havaianos, mas pelo menos um
de seus guerreiros caiu morto. (...)
Ainda à beira da praia,
Cook voltou-se na direção do mar e ergueu a mão para ordenar o cessar-fogo. Foi
então que, ao se voltar, um dos guerreiros o atingiu com um porrete. Ele caiu
de joelhos na água e logo outros guerreiros aproximaram-se e o golpearam com facas
“[18].
A chegada do Resolution no Havaí[19].
A vida de um dos maiores
exploradores do Pacífico terminava ali, nas regiões que eternizaram seu nome. A
expedição, no entanto, continuou, se encerrando em outubro de 1780, quando as
duas embarcações retornaram à Inglaterra. Logo após a morte de Cook, os exploradores
ainda tentaram estabelecer uma rota de passagem setentrional entre o Pacífico e
o Atlântico, porém sem resultados.
Ao concluir essa sequência
de textos sobre James Cook, me pego novamente pensando na questão que levantei
lá no primeiro texto[20]
sobre esse explorador inglês: que lugar a História da Civilização Atlântica
“guarda” para o navegante inglês James Cook? Talvez não exista uma
resposta a essa minha pergunta. Talvez sejam várias as respostas. Cook alargou
o Império Britânico, muito além do Atlântico, “orientalizou” o mundo inglês,
“orientalizou” as grandes navegações. Cook navegou por águas que jamais haviam
sido exploradas da forma com que foram por este inglês. “Considerando que quase
300 anos haviam passado desde a primeira viagem de Colombo, é assombroso o quão
pouco se conhecia do Pacífico Norte. Os americanos nem sequer tinham uma ideia
precisa das dimensões efetivas de seu imenso continente. O litoral noroeste da
América do Norte era menos conhecido do que a costa oeste da África, esquadrinhada
pelos navios negreiros. Poucos exploradores haviam se aventurado até os limites
das águas do Pacífico Norte” [21].
Hoje, mais de trinta
milhões de pessoas falam inglês nas diversas ilhas e arquipélagos do Pacífico,
muito em vista das expedições comandadas por Cook. Desde o pequeno território
das ilhas Cook, com cerca de 240 quilômetros quadrados e pouco mais de 19000
habitantes[22],
até o “continente-ilha” Austrália, todas essas áreas se reportam à figura do
maior desbravador do Pacífico.
Expedições como as que
foram realizadas por Charles Darwin, a bordo do Beagle, entre 1831 e 1836, e que são conhecidas por nós, muito mais
do que as expedições de Cook, ocorreram, sem dúvidas, devido aos sucessos das
expedições deste, das inovações que acompanharam as viagens do Endeavour, do Resolution, do Adventure
e do Discovery. A possibilidade de
levar Banks a uma das expedições possibilitou a figura de cientistas nas
embarcações inglesas que singraram os mares e oceanos no século XIX. Foi Cook
um expoente iluminista do século XVIII? Talvez não, porém o cientificismo, o
experimento e a descoberta o acompanharam durante as três viagens.
Talvez a forma mais sensata de concluir a
sequencia seja afirmando que, se não foi personagem principal da civilização atlântica,
foi fundamental em muitas das transformações ocorridas no “mundo Atlântico”,
tendo em vista o papel determinante que exerceu nas águas do Pacífico e na
História.
Darwin. Eis um dos ecos e
resultados do extenso trabalho feito por Cook, décadas antes[23].
[1] RAMOS, Pedro Henrique Maloso.
[2] Para a leitura dos outros textos
dessa série procure por James Cook nesse blog.
[3] ocorre quando uma das pedras
fica presa na saída da vesícula impedindo o fluxo de bile, levando a uma
distensão importante da vesícula. Há então um esforço da mesma para expelir a
pedra. O resultado é uma dor tipo cólica. - http://www.gastronet.com.br/litiase.htm
[4] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora
Abril, 2003.p. 130
[5] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora Abril,
2003.p. 127
[6] Imagem extraída do sítio http://www.londonancestor.com/maps/bc-milend-th.htm
[7] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora
Abril, 2003.p. 127
[8] Um aperfeiçoamento realizado por
James Watt a partir do aparelho que fora criado por Thomas Newcomen, em 1712, para
bombear água do fundo das minas de carvão. In
PAZZINATO, A. L.; SENISE, M. H. V. “História Moderna e Contemporânea” São
Paulo: Editora Ática, 1997. 6ª. Edição. p. 93
[9] Imagem extraída do sítio http://www.britishbattles.com/seven-years/minden.htm
[10] Não cabe discutir no presente
texto (talvez em um próximo), mas o inicial processo de “não-exploração” de
determinadas áreas coloniais pela Inglaterra – principalmente o norte da
América do Norte – fez com que fosse criada uma deturpada ideia de “colônia de
povoamento”. Se observarmos a estrutura mercantil, veremos que o termo é
equivocado. A colônia se efetivava, dentro da lógica mercantil, com a
exploração, independente do grau em que as atividades ocorriam. Foram as treze
colônias (bem como algumas regiões da América Portuguesa durante o século XVI)
terra de degredados, perseguidos políticos e religiosos, haja vista que os
primeiros colonizadores ingleses na América foram os peregrinos, fugindo das
perseguições – principalmente religiosas – que sofriam na Inglaterra. A partir
do momento que eventos ocorridos na metrópole fizeram necessários uma
exploração mais contundente, a Inglaterra, sem cerimônias, a implantou.
[11] Quando ocorreu o inicio da
Guerra de Independência, que se encerraria em 1781, com o reconhecimento da
Independência dos Estados Unidos da América pelos ingleses, através da paz
selada pelo Tratado de Versalhes, em 1783.
[12] Imagem extraída do sítio http://www.pbs.org/ktca/liberty/chronicle_philadelphia1776.html
[13] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador. São Paulo: Editora
Abril, 2003.p. 109.
[14] William Bligh (1754 – 1817),
oficial da marinha britânica e administrador de algumas áreas coloniais
[15] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador. São Paulo: Editora
Abril, 2003.p. 134.
[16] Imagem extraída do sítio http://snowbrains.com/extremely-unusual-late-season-snowfall-this-weekend-in-anchorage-ak-up-8-forecastedd/
[17] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador. São Paulo: Editora Abril,
2003.p. 109.
[18] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora
Abril, 2003.p. 135.
[19] Imagem extraída do sítio http://islandbreath.blogspot.com.br/2010/01/hawaii-232-years-later.html
[20] http://respirehistoria.blogspot.com.br/2015/01/james-cook-1-parte.html
[21] Revista National Geographic
Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora
Abril, 2003.p. 127.
[22] Informações referentes ao censo
de 1996 – Enciclopédia do mundo contemporâneo / [tradução de Jones de Freitas,
Japiassu Brício, Renato Aguiar]. – São Paulo: Publifolha; Rio de Janeiro:
Editora Terceiro Milênio, 2000. p. 108
[23] Imagem extraída do sítio http://earthsky.org/human-world/did-hms-beagle-voyage-lead-to-charles-darwins-poor-health
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