Uma análise histórica sobre a astronomia – 1ª parte[1]
Desde os primórdios da
História humana o céu despertou olhares fascinados, seja pelas estrelas, pelo
Sol, pela Lua ou pelos seres que voam. Dependente do meio natural, os
hominídeos durante a chamada pré-História, e também em outros períodos históricos,
viveram e direcionaram suas ações a
partir do sol e da chuva. A relação com o céu e os fenômenos que estavam
atrelados a esse espaço obrigou os seres humanos a entenderem e buscarem compreender melhor o
que se passava. Afinal, a água que caia das nuvens, o Sol que aparecia mais
forte em um período do que em outro eram fundamentais para a prática da
agricultura. Assim, conhecer melhor os astros, as estrelas, bem como o nosso
satélite natural, a Lua, determinava uma sobrevivência mais tranquila e um
maior domínio dos recursos naturais.
E quantas vezes não
olhamos para imensidão e nos lançamos às mais diversas perguntas?
Fato é que a história da
relação humana com o espaço sideral se mistura com inúmeras outras histórias. O
espaço é muito mais do que a junção de galáxias, planetas, astros e estrelas.
Determina eventos primordiais do nosso planeta. Os ciclos da Lua, por exemplo,
são fundamentais para determinar o ciclo das marés; e esses, por sua vez, devem
ser rigorosamente conhecidos e entendidos por aqueles que navegam. Os povos
pré-colombianos[2]
determinavam suas colheitas e plantações pela incidência solar em marcos. Se a
luz do Sol estivesse em um determinado lugar era hora de plantar. Se estivesse
em outro era a hora de colher. Poderíamos aqui listar um número enorme de
interferências dos astros e da astronomia na vida humana.
Porta do Sol, em Tiwanaku,
Bolívia. Construída por uma civilização anterior aos incas (teriam vivido na
região entre os séculos IV e III a.C.), a porta estava ligada a uma série de
finalidades. Em determinado dia do ano (e só neste dia), o Sol aparecia
exatamente no meio da porta. Era o início de algumas festividades em homenagem
ao Sol, e, acreditam os historiadores, de iniciar a colheita ou plantio de
determinados gêneros agrícolas. O dia? Hoje sabemos que se trata do dia 24 de
junho[3].
Vamos, em nosso primeiro
texto dessa série, analisar o despertar da observação humana na compreensão dos
fenômenos astrológicos. Partiremos primeiramente de uma breve análise da
humanidade na pré-História e depois conheceremos as primeiras investigações
astronômicas na Mesopotâmia e no Egito Antigo.
A astronomia e a pré-História
A existência dos
primeiros hominídeos em nosso planeta data de 2,5 milhões de anos, quando teria
surgido o primeiro ancestral direto da espécie atual, o Homo habilis. Já a história do nosso planeta é muito, muito mais
antiga. Cerca de 4,5 bilhões de anos. E se fossemos analisar a história do
nosso universo nos reportaríamos a um passado que se aproxima dos 14 bilhões de
anos[4]. Portanto,
a existência humana é algo recente, tanto na história do planeta Terra, quanto
mais na história do Universo. Mas, é fato, desde que abriu os olhos e passou a
adquirir a consciência do espaço onde vivia, os seres humanos começaram a
tentar desvendar os mistérios de uma imensidão por vezes azul, outras tantas
negra.
Para uma melhor compreensão
de como somos recentes na história, foi criado um sistema de representação da
história do Universo em um ano. Veja a ilustração abaixo, bem como as informações.
“Esta
imagem é baseada no Calendário Cósmico de Carl Sagan, que condensa a História
do Universo em 1 ano, sendo o Big Bang às 0h0m0s de dia 1 de Janeiro e o
momento em que estão a ler estas palavras é às 23h59m59s do dia 31 de Dezembro
(cada dia representa cerca de 40 milhões de anos).
(cada dia representa cerca de 40 milhões de anos).
1
de Janeiro, 0:00 = Big Bang
1
de Janeiro, 2:30 = Formação da Radiação Cósmica de Fundo
8
de Setembro = Formação do Sol
11
de Setembro = Formação da Terra
30
de Dezembro = Extinção dos Dinossauros
31
de Dezembro, 23:39 = primeiros Hominídeos
31
de Dezembro, 23:59:30 = primeira Civilização Humana
No
próximo ano, o Sol irá tornar-se numa gigante vermelha e a Galáxia de Andrômeda
vai colidir com a Via Láctea em 2 de Maio.”[5]
Ponto fundamental para a
compreensão dos fenômenos naturais do nosso planeta, os primeiros que passaram
a observar o que ocorria acima de suas cabeças notaram períodos relativamente cíclicos,
como o são o dia e noite. Com o fim da última era glacial o solo se tornava
propício para a prática da agricultura. Não é nosso intuito nesse texto
detalhar como surgiu a agricultura, mas fato é que a mesma só se tornou possível
porque havia findado os fenômenos glaciares.
Surgia daí, em diversas
partes do planeta, a necessidade em associar o plantio com os períodos
corretos. Quando seria ideal para plantar? Quando ocorreriam as chuvas mais
regulares? Quando as águas dos rios iriam transbordar e quando ocorriam os períodos
de estiagem? Apareciam os primeiros calendários, representações ainda pouco
precisas dos ciclos ocorridos em nosso planeta. Nasce, mesmo que de maneira bem
amadora, os estudos associados à astronomia.
Ainda no campo das
incertezas, a construção de Stonehenge
atenderia provavelmente a essa necessidade em compreender os fenômenos astronômicos,
além de deixar claro o fascínio que os mesmos causavam nos seres humanos.
Stonehenge, do inglês arcaico Stone: pedra, hencg: eixo[6],
se trata de uma obra da Idade do Bronze, iniciada por volta de 3100 anos a.C.,
portanto há mais de 5000 anos, dando à astronomia o titulo da ciência mais
antiga já criada! Seria “capaz de prever os equinócios e solstícios e também os
nascentes e poentes do Sol da Lua. Cada pedra pesa em média 26 toneladas e a
avenida principal que parte do centro do monumento aponta para o local no
horizonte em que o Sol nasce no dia mais longo do verão. Nessa estrutura,
algumas pedras estão alinhadas com o nascer e o pôr do Sol no início do verão e
do inverno” [7].
Outra imagem de Stonehenge. Localizado na planície de
Salisbury, próximo a Amesbury, no condado de Wiltshire, no sul da Inglaterra[8].
Muito provavelmente a construção remetia a diversos propósitos,
dentre os quais os estudos astronômicos, religiosos, além de elementos ligados à
astrologia. Aliás, essa relação entre astronomia e astrologia permeou e ainda
permeia muito a compreensão do que ocorre no espaço sideral, como veremos
adiante e em outros textos.
Portanto, as primeiras
representações que fariam menção à astronomia teriam ocorrido ainda no período
anterior ao que definimos como História. Mas foi a partir do surgimento das
primeiras civilizações que os estudos astronômicos ganharam significativa
importância.
A Mesopotâmia e o Egito Antigo: avanços no campo da
astronomia
A organização desses
grupos humanos possibilitou que os mesmos utilizassem parte do dia para
compreender e registrar o que estavam observando. E esse exercício do registro
só foi possível graças ao desenvolvimento da escrita, fenômeno ocorrido primeiramente
na Mesopotâmia (4000 – 539 a.C.), também considerada a primeira civilização. Assim,
com o passar dos anos e como resultado direto do desenvolvimento da agricultura,
houve a especialização do trabalho nos povoados, fazendo com que a sociedade
ficasse dividida em camponeses, soldados, artesãos, caçadores, escribas, os
primeiros astrônomos... Com uma maior oferta de alimentos, graças a agricultura
e a domesticação dos animais, tivemos um aumento populacional considerável. E
para atender ao crescente aumento da população, houve a necessidade de ampliar
as áreas cultivadas e desenvolver novas técnicas para aumentar a produtividade
do solo. Era a especialização que levaria a construção de obras para dominar e
controlar os recursos naturais.
A escrita cuneiforme
surgiu há cerca de 3500 anos[9].
Os primeiros astrônomos
mesopotâmicos passaram então a registrar as primeiras efemérides, os
acontecimentos astronômicos. Eram eclipses lunares e solares, bem como a
passagem de cometas. E tais eventos estavam diretamente associados ao campo da
astrologia. Por isso, os estudos astronômicos nesse período ocupavam o campo
das pseudociências. Havia uma mistura, quase que homogênea, entre astronomia e
astrologia.
A civilização do
Crescente Fértil existiu em grande parte devido aos rios Tigre e Eufrates. E
assim como no Antigo Egito (que veremos logo a seguir), os ciclos de cheia de
ambos os rios eram determinados pela ação dos astros em nosso planeta Terra. O
plantio ocorria em épocas determinadas a partir da análise da incidência solar
e dos ciclos da Lua. Então, conhecer quando e como ocorreriam as cheias era de
suma importância.
Rio Eufrates[10]
Os astrônomos da
Mesopotâmia estudaram com rigor e análise os movimentos de Mercúrio, Vênus, o
Sol e a Lua. O estudo era detalhado e, segundo registros, teria ocorrido de
maneira mais regular a partir de 1.900 a.C. Veja esse trecho de um texto sobre
a civilização mesopotâmica: “o calendário
babilônio era lunar e, por essa razão, os astrônomos estavam particularmente
interessados em prever o aparecimento da Lua em quarto crescente, e se o mês
teria 29 ou 30 dias. E porque sabiam que tudo isso dependia da posição relativa
entre o Sol e a Lua, os astrônomos babilônios foram impelidos a abordar o movimento
aparente dos astros – uma nova e gigantesca aventura na mecânica celeste.
O mais antigo registo de um eclipse total do Sol
na região da Mesopotâmia reporta-se a um eclipse observado em Ugarit, 1375 a .C. que
documentos posteriores identificam como tendo na verdade ocorrido em 1063 a .C”[11].
E, junto com o desenvolvimento da astronomia, houve o desenvolvimento da matemática
astronômica, possibilitando o estabelecimento dos primeiros cálculos que
poderiam prever eventos ocorridos além de nossas cabeças.
Um astrônomo mesopotâmico. “Das
civilizações da Antiguidade Oriental os mesopotâmicos foram provavelmente os
mais importantes no campo da Astronomia, não só pela quantidade mas também pela
qualidade de suas observações e trabalhos astronômicos”[12].
O Egito Antigo foi outra
civilização que trouxe inúmeros avanços para a astronomia. Ainda conciliando a
astronomia com a astrologia, os egípcios fizeram dos céus um espaço de
investigação constante. Assim, a história dessa civilização africana, bem como
sua cultura e sociedade, foram diretamente determinadas pela análise
astronômica, ou seja, pelo estudo dos astros, entre eles o Sol.
Vivendo em uma região
árida, os egípcios tiveram que desenvolver de imediato uma profunda relação com
o rio, no caso o rio Nilo. E o rio, logo de início, se mostrou, ao mesmo tempo,
uma fonte de vida e de destruição. As cheias do Nilo ainda assolam muitas
regiões africanas. Não são poucos os registros da fúria do Nilo. E isso não foi
diferente durante a existência do Antigo Egito.
O poderoso rio Nilo[13].
Como então determinar
quando o rio sofreria uma enchente? Os egípcios logo perceberam que os ciclos
naturais do rio estavam intimamente ligados com a interferência dos astros.
Muitos dos temporais ocorriam em uma determinada época do ano. E tal época do
ano era conhecida pela posição do Sol. No verão, quando a incidência do Sol é
maior, é quando ocorrem as cheias. As cheias serviam para depositar matéria
orgânica no solo e, assim, torna-lo fértil.
“Sua cheia chega mais forte no Egito quando é
verão, carregada de aluviões pelo vento que desce dos altos planaltos da
Abissínia. A prosperidade do Egito nasce da ação conjunta do Nilo e do Sol,
todos os dois elevados pelos habitantes à categoria de deuses. O rio, em cheia
das mais fortes do verão, impregna os campos de uma água carregada de aluviões
extremamente férteis” [14].
Como mostra esse fragmento de texto, o Sol, assim como o Nilo eram tratados
pelos antigos egípcios como deuses. Mais uma vez a astronomia se funde e se
confunde com a astrologia.
“Segundo Heródoto (historiador grego), ‘O Egito é um
dom do Nilo’. Sem o Nilo e a cheia, o Egito seria apenas a parte oriental do
Saara. O sol apressa a vazante, e o renascimento da vegetação. Uma cheia muito
fraca não alimenta bem a terra; muito forte, devasta os campos - tanto uma
quando outra levam à fome: sem a cheia, o sol seria devastador; sem o sol, a
cheia seria inútil. O importante é que o equilíbrio (Maát) seja mantido entre os dois”[15].
Aliás, o maior deus do Antigo Egito foi o deus Sol,
Rá. O deus Rá era a representação do poder e da energia do povo egípcio. E essa
associação veio a partir da forte relação entre o Sol e a agricultura. E a
agricultura, como vimos, foi o que possibilitou a formação e construção dessas
civilizações, como foi o caso da civilização do Antigo Egito. Assim, a figura
de Rá passou a ser adorada pelo povo egípcio e a fazer parte da realeza
faraônica.
Rá não foi a única
divindade egípcia ligada aos astros e estrelas. A figura do deus Atum remete a
criação do Universo. Seria ele o pai de todos os deuses e o criador do
Universo. Também aparece representado como o Sol durante o entardecer.
Rá. Observe o desenho do
Sol sobre a sua cabeça.
A representação do deus
Atum. Repare nos dois desenhos a presença da cruz ansata (imagem à direita),
representando a regeneração e a vida eterna. A ideia do ciclo com certeza influenciou
a figura do círculo, tão presente nas representações astronômicas que se
perpetuaram além das duas civilizações que estudamos nesse texto.
[1] RAMOS,
Pedro Henrique Maloso.
[2]
Povos pré-colombianos, como os incas e maias, são povos que habitavam a América
antes da descoberta de Cristóvão Colombo (ocorrida em 1492) e a chegada dos
europeus. A maioria desses povos foi exterminada pelos conquistadores
europeus.
[3] Imagem
extraída do sítio http://www.mirabolivia.com/muestra_img.php?id_imgbol=233&pag=3
[4] Informação
extraída do sítio http://hypescience.com/se-o-universo-tem-14-bilhoes-de-anos-porque-vemos-coisas-a-32-bilhoes-de-anos-luz/
[5] Imagem e
textos extraídos do sítio http://www.astropt.org/2013/10/31/historia-do-universo-em-1-ano/
[6] Informações
extraídas do sítio http://pt.wikipedia.org/wiki/Stonehenge
[7] Imagem e
texto extraídos do sítio http://www.fis.unb.br/observatorio/notasdeaula/aula2.pdf
(adaptado)
[8] Imagem
extraída do sítio http://pt.wikipedia.org/wiki/Stonehenge#mediaviewer/File:Stonehenge_back_wide.jpg
[9] Imagem
extraída do sítio http://www.infoescola.com/civilizacoes-antigas/escrita-cuneiforme/
[10] Imagem
extraída do sítio http://looklex.com/e.o/euphrates.htm
[11] zapper.xitizap.com/xitizap%2026/index_files/Page360.htm
[12] www.professormario.com.br/curiosidades
[13] Imagem extraída do sítio http://www.longdin.co.uk/case-study-13.asp