sábado, 28 de fevereiro de 2015

Atividade Corsária no Litoral da América Portuguesa: os franceses na baía de Guanabara – 2ª parte

Atividade Corsária no Litoral da América Portuguesa: os franceses na baía de Guanabara – 2ª parte
A França Antártica – Precedentes internos à colônia[1]
No texto passado[2] abordamos assuntos ligados às beligerâncias marítimas no tocante à invasão dos franceses na América Portuguesa. No presente texto, faremos uma análise pormenorizada dos precedentes internos à colônia.
 O interesse dos franceses pelo sul da colônia deu-se após 1530, quando seus navios corsários e piratas passaram a agir no litoral do Rio de Janeiro, onde as relações entre esses e os indígenas eram pacíficas. Max Fleiuss, em sua História da Cidade do Rio de Janeiro, descreve trocas comerciais que confirmam tal passividade: “Avisados da chegada de um navio francez, por disparos das peças de bórdo, acudiram á praia dos selvagens para faze troca de pau-brasil (...) e outros produtos da terra por (...) utensílios domésticos”[3].
A baía de Guanabara em 1828. Ilustração de Félix Taunay.

Os franceses nunca concordaram propriamente com a divisão do mundo entre Portugal e Espanha, não permitindo a seu reino nenhum aproveitamento das colônias descobertas no ultramar. Assim, praticavam o corso e a pirataria na América, principalmente na parte pertencente a Portugal, desde o começo do século XVI. “A corte francesa nunca aceitara de bom grado a doutrina do ‘mare clausurum’, custando a reconhecer que a rota do Atlântico estivesse barrada aos seus navios, enquanto as duas metrópoles ibéricas continuavam a alargar as suas áreas de dominação ultramarina” [4].
O questionado e questionável Tratado de Tordesilhas.

Durante os reinados de D. João III, em Portugal, concomitante ao de D. Francisco I, na França, as relações entre os dois reinos não estavam tão tensionadas, em decorrência de um tratado de paz e aliança assinado pelas mesmas, em 14 de julho de 1536, no condado de Lyon, o que explica o porquê, entre 1540 e 44, “haja poucas notícias de navios franceses nas águas do Brasil, o que também se compreende perante as dificuldades de Francisco I na luta acesa que então mantinha, ao longo das fronteiras da França, com o imperador Carlos V” [5]; em tal luta, a França procurava evitar o envolvimento de Portugal, o que propiciou vários acordos diplomáticos que acalmaram, em parte, as relações entre portugueses e franceses, tanto no continente quanto no ultramar.
Contudo, a represália que navios mercantes franceses e portugueses exerciam entre si agravavam novamente as relações entre os respectivos reinos, no final da década de 40, situação que fez renascer na França a política de infiltração ao litoral da colônia, que fora suspensa após a repressão portuguesa por meio das expedições de Cristóvão Jacques, em 1527, e de Martin Afonso de Souza, em 1532, contra os corsários e piratas franceses na região colonial. Assim, os corsos e a pirataria foram estimulados na França, desta vez com maior intensidade, sendo a região do Rio de Janeiro, principalmente o Cabo Frio, alvo de constantes ataques por parte destes.
Região de Cabo Frio, alvo dos franceses nos primórdios da colonização[6].

Outro fator agravante, que preocupava muito os colonos, era o fato de as capitanias do sul ter parcos recursos de defesa. As capitanias do norte, que por terem se estabelecido primeiro e por fazerem parte do centro produtor da colônia, já gozavam de uma infra-estrutura muito mais elaborada que as do sul, o que permitia que melhor se defendessem dos contrabandistas; assim, a organização defensiva das capitanias do norte incitava os corsários e piratas a agirem no sul, onde a chance de sucesso era relativamente maior em função da precária estrutura defensiva da região.
“Enquanto a ameaça se dirigia somente para as capitanias do norte, tinham podido os capitães, com maior ou menor dificuldade, proteger a terra; mas redobrando a audácia dos corsários para o sul do Cabo de Santo Agostinho, onde eram mais precárias as condições de defesa, essas capitanias ficavam à mercê dos atacantes” [7].
As cartas dos colonos à D. João III eram constantes e numerosas, em que pediam seu auxílio, colocando o risco de perda da terra: “... se com tempo e brevidade Vossa Alteza não socorre a estas capitanias e costa do Brasil que ainda que nós percamos as vidas e fazendas Vossa Alteza perderá a terra...” [8].
Quando da chegada de Tomé de Souza, em 29 de março de 1549, para a instalação do Governo Geral, a prioridade do primeiro governador da colônia era a defesa do litoral e expulsão dos corsários; para tal empresa, Tomé de Souza procurava estimular o povoamento da região do Rio de Janeiro, dando autorização aos mercadores portugueses para explorarem pau-brasil da região, fazendo com que a presença destes afastasse os contrabandistas franceses. Mas não foi apenas com relação ao Rio de Janeiro que o governador tomou providências para a defesa, “teve uma visão unitária do Brasil, não se poupando a esforços na guarda de toda a linha da costa” [9]. Contudo, os interesses da coroa portuguesa pareciam estar voltados apenas à defesa das capitanias do norte, apesar dos esforços do governador em conscientizar o rei a respeito da defesa das capitanias do sul.
A tensão na colônia sofreu forte acréscimo com a chegada do segundo governador, Duarte da Costa, em cujo governo se deu a invasão dos franceses à baía de Guanabara e sua consequente instalação; a falta de competência administrativa do governador, somada à escassez de recursos de defesa por parte da metrópole permitiram aos franceses a invasão e fixação sem grandes dificuldades.
Pau-brasil, procurado por portugueses e franceses[10].



[1] RAMOS, Juliana Maria de Carvalho
[2] http://respirehistoria.blogspot.com.br/2015/02/atividade-corsaria-no-litoral-da.html
[3] FLEIUSS, Max. História da Cidade do Rio de Janeiro (Distrito Federal) – Resumo Didático, p. 24  
[4] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. O Rio de Janeiro no século XVI – I – Estudo Histórico; p. 45
[5] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. O Rio de Janeiro no século XVI – I – Estudo Histórico; p. 45
[6] Imagem extraída do sítio http://loucosporpraia.com.br/praia-das-conchas-cabo-frio/
[7] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. O Rio de Janeiro no século XVI – I – Estudo Histórico; p. 46
[8] http://historia.abril.com.br/gente/tome-souza-salvador-patria-480973.shtml
[9] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. O Rio de Janeiro no século XVI – I – Estudo Histórico; p. 47
[10] Imagem extraída do sítio
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiL-Kii9Z-a9JojxO4I9wnzJVrJxOGOxrLoiDlkSaB_lb3DChQFFzQ9JiiUDja4MB1bxbGUObldi40BuB5DvNfDyllcVL6wXuJLBVza7ra15RTQaZW_IMcghlpB9Ub-eI5Xthw_gkneCA/s400/pb.jpg

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