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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

James Cook – 4ª Parte

James Cook – 4ª Parte[1]
Vamos iniciar o nosso último texto[2] sobre James Cook. Neste texto conheceremos a terceira expedição realizada pelo comandante inglês, bem como os eventos que levaram a morte deste intrépido navegador. Faremos também algumas análises do papel do “explorador do Pacífico” para o desenvolvimento do império britânico e das atividades marítimas.
A terceira viagem de Cook ocorreu entre 1776 e 1780, sendo a mesma empreendida pelas embarcações Resolution (comandada por Cook) e Discovery. Antes de tratarmos efetivamente da viagem, vamos relatar outros fatos de notória importância.
Cook estava adoentado quando retornou à Inglaterra, em 1775. O explorador estava acometido de uma cólica biliar[3], “que sofrera na Antártica, e que mais tarde seria diagnosticada como sendo uma infecção aguda da vesícula biliar” [4]. Além da enfermidade, Cook há tempos não convivia com a família. O endereço da família Cook era uma casa simples em Mile End, próximo a Greenwich. Elizabeth, a esposa de Cook, foi mãe de seis filhos, porém só um passou dos 18 anos. A senhora Cook, no entanto, faleceu em 1835, aos 93 anos, quando “a era dos barcos a vapor já se iniciara” [5]. Viu seu marido pela última vez em 1776, quando James partiu para sua terceira e última expedição.
Um mapa de Mile End no final do século XIX[6].
   A bordo do Resolution, Cook partiu para o que seria certamente a sua mais difícil expedição naval. Alan Villers disserta que a terceira viagem “tinha como objetivo a solução de um velho problema, o de encontrar uma rota marítima entre a Inglaterra e as Índias Orientais por uma passagem no hemisfério norte. A abertura de tal rota, ainda que viável apenas durante o verão, encurtaria as viagens e contribuiria enormemente para o crescimento do comércio. Como haviam falhado todas as tentativas anteriores de encontrar essa passagem setentrional a partir do Atlântico, o que se decidiu foi enviar Cook, o explorador do Pacífico, para que encontrasse o caminho a partir desse oceano” [7].
Não trabalharei ainda a questão do desconhecimento acerca das regiões do Pacífico Norte, porém cabe destacar que muitas das viagens de Cook não tiveram apenas um caráter exploratório, mas foram profundamente ligadas às descobertas (não que os dois termos não estejam encaixados, porém as expedições desbravadoras, como as de Cook, estavam cercadas de incertezas e, muitas, confirmaram a dificuldade em explorar determinadas áreas, como veremos adiante).
Outras questões também dificultaram a expedição de James Cook. A década de 70 do século XVIII foi potencialmente dramática para os ingleses, se tratando de um momento de grande tensão. Se a nação inglesa vivia o florescimento da Revolução Industrial, com o advento da máquina a vapor, em 1768[8], e outros equipamentos, vivia também os resquícios da Guerra dos Sete Anos (1756 – 1763), conflito entre ingleses e franceses, vencidos por aqueles. Para sanar as dívidas, herdadas com os conflitos, e recuperar a economia metropolitana, os ingleses aumentaram a política fiscal em suas áreas coloniais, em especial na região das treze colônias, o que provocou imediato descontentamento entre os colonos. Há que se pontuar também que a efetiva aplicação dos Atos de Navegação já havia criado problemas entre a Metrópole e suas áreas coloniais. A aristocracia mercantil colonial dominava, em certa medida, a economia das áreas coloniais, devido à intervenção na distribuição de recursos. Tal prática acabava causando conflitos entre o comércio colonial e o comércio metropolitano. Devido a esse fato, a metrópole passou a aplicar sobre suas áreas coloniais leis que garantissem e efetivassem a aplicação dos Atos de Navegação, sendo que estes tinham como objetivo proteger o comércio metropolitano, principalmente no tocante às suas colônias. Foram as atividades de contrabando, realizada pelos colonos, que dificultaram a efetiva aplicação das medidas protecionistas pela metrópole.
Representação de uma batalha da Guerra dos Sete Anos[9].

Outra questão de notória importância foi o florescimento das ideias iluministas na Europa, em pouco tempo assimiladas pelos colonos ingleses, endossando o discurso que levaria à Revolução Americana, em 1776. Também não podemos deixar de pontuar que a própria Revolução Industrial trazia uma demanda cada vez maior de matérias-primas, necessárias para o fabrico dos produtos manufaturados, o que aumentou a exploração nas áreas coloniais e, consequentemente, os conflitos entre as áreas coloniais e a metrópole[10].
Portanto, “a bordo” da expedição, Cook levava uma metrópole que buscava efetivar as medidas mercantis, atendendo as demandas que se faziam presentes, e, por isso mesmo, envolvida em conflitos com as treze colônias desde 1775[11], uma Inglaterra que havia saído a pouco de um conflito com os franceses, com resultados além do Continente Europeu. E, concomitantemente, vivia as ideias iluministas, que, se por um lado abrilhantaram as viagens de Cook, através da figura de Banks, por exemplo, criaram dispositivos que levariam aos conflitos entre as áreas coloniais e a metrópole.
Devido a essa conjunção de fatores, não é de se estranhar que as duas embarcações haviam passado por reformas insuficientes. Os recursos da metrópole se destinavam, majoritariamente, para a Guerra de Independência.
1776! Apesar dos esforços ingleses, no dia 4 de julho, as treze colônias ingleses alcançavam a independência[12]. 

Cook partiu no dia 12 de julho de 1776. Carregava consigo um salvo-conduto, fornecido por Benjamin Franklin, então novo embaixador dos Estados Unidos na França. Villers disserta que, para Franklin, a guerra não deveria constituir um empecilho para o avanço cientifico.
Primeiramente, Cook seguiu até o cabo da Boa Esperança, partindo então para o Oceano Índico, antes passando pelas ilhas Kérguelen. “Em dezembro de 1777 os exploradores adentraram o Pacífico Norte, onde Cook descobriu as ilhas Christmas. Em 17 de janeiro de 1778, tornaram-se os primeiros europeus a visitar as ilhas Sandwich, atual Havaí” [13]. Cook fez do Havaí a base principal para a exploração da região. Foi a partir das ilhas que havia batizado de Sandwich, em homenagem a um nobre amigo e um dos seus patrocinadores, John Montagu, 4º Conde de Sandwich, que Cook começou a realizar diversas expedições pelo noroeste americano. Chegou até onde hoje se encontra a cidade de Anchorage, próxima ao estuário que recebera o sobrenome do intrépido inglês, o estuário Cook. “Dali enviou Bligh[14] e alguns tripulantes em pequenos botes para que se internassem na região. Quanto mais se afastavam do mar, mais doce ficava a água – mas não havia passagem” [15].
Anchorage (Alasca, EUA) nos dias atuais[16].

Cook continuou a exploração pela região, mapeando de maneira esplendida parte significativa do litoral noroeste da América: desde o Oregon até um pouco além do estreito de Bering. “Dias depois de alcançarem a latitude de 70º44’N – sua posição mais ao norte -, fizeram meia-volta e foram invernar no Havaí.” [17].
A morte de Cook, aos cinquenta anos, no dia 14 de fevereiro de 1779, foi marcada por uma sucessão de eventos desastrosos. Após a exploração da região do Alasca não ter atingido os objetivos pretendidos, Cook enfrentou outros diversos e sérios problemas, desde tempestades que danificaram o mastro de proa do Resolution até conflitos entre os nativos e seus comandados.
 Os tripulantes haviam criado inimizades com os nativos do Havaí devido a pilhagens dos recursos existentes na ilha. Com problemas no Resolution, Cook teve que retornar à baía de Kealakekua, no Havaí, para reparar os danos da embarcação e, assim, seguir viagem. Porém, o comandante sabia que enfrentaria problemas assim que pisasse novamente na ilha. Logo após o desembarque, os nativos apareceram em atitude ameaçadora. Peças das duas embarcações começaram a ser pilhadas pelos nativos, em uma atitude de retaliação à rapinagem realizada pelos ingleses anteriormente. “Um bote do Discovery foi surrupiado e os nativos recusaram-se a devolvê-lo.
Como era seu costume, Cook desembarcou a fim de capturar um dos principais chefes e usá-lo como refém na troca de pelo bote. Talvez pelo fato de saberem que o bote já fora desmantelado para aproveitamento das peças de metal, os havaianos fizeram uma ruidosa manifestação de protesto, que logo degenerou em conflito aberto. Só restou a Cook retornar à praia e, ao Resolution, sob um violento ataque com pedras.
O bote de Cook já começava a se afastar da praia. Mosquetes começaram a ser disparados. Alguns tiros foram contidos pelas esteiras que protegiam o corpo dos havaianos, mas pelo menos um de seus guerreiros caiu morto. (...)
Ainda à beira da praia, Cook voltou-se na direção do mar e ergueu a mão para ordenar o cessar-fogo. Foi então que, ao se voltar, um dos guerreiros o atingiu com um porrete. Ele caiu de joelhos na água e logo outros guerreiros aproximaram-se e o golpearam com facas “[18].
A chegada do Resolution no Havaí[19].

A vida de um dos maiores exploradores do Pacífico terminava ali, nas regiões que eternizaram seu nome. A expedição, no entanto, continuou, se encerrando em outubro de 1780, quando as duas embarcações retornaram à Inglaterra. Logo após a morte de Cook, os exploradores ainda tentaram estabelecer uma rota de passagem setentrional entre o Pacífico e o Atlântico, porém sem resultados.
Ao concluir essa sequência de textos sobre James Cook, me pego novamente pensando na questão que levantei lá no primeiro texto[20] sobre esse explorador inglês: que lugar a História da Civilização Atlântica “guarda” para o navegante inglês James Cook? Talvez não exista uma resposta a essa minha pergunta. Talvez sejam várias as respostas. Cook alargou o Império Britânico, muito além do Atlântico, “orientalizou” o mundo inglês, “orientalizou” as grandes navegações. Cook navegou por águas que jamais haviam sido exploradas da forma com que foram por este inglês. “Considerando que quase 300 anos haviam passado desde a primeira viagem de Colombo, é assombroso o quão pouco se conhecia do Pacífico Norte. Os americanos nem sequer tinham uma ideia precisa das dimensões efetivas de seu imenso continente. O litoral noroeste da América do Norte era menos conhecido do que a costa oeste da África, esquadrinhada pelos navios negreiros. Poucos exploradores haviam se aventurado até os limites das águas do Pacífico Norte” [21].
Hoje, mais de trinta milhões de pessoas falam inglês nas diversas ilhas e arquipélagos do Pacífico, muito em vista das expedições comandadas por Cook. Desde o pequeno território das ilhas Cook, com cerca de 240 quilômetros quadrados e pouco mais de 19000 habitantes[22], até o “continente-ilha” Austrália, todas essas áreas se reportam à figura do maior desbravador do Pacífico.
Expedições como as que foram realizadas por Charles Darwin, a bordo do Beagle, entre 1831 e 1836, e que são conhecidas por nós, muito mais do que as expedições de Cook, ocorreram, sem dúvidas, devido aos sucessos das expedições deste, das inovações que acompanharam as viagens do Endeavour, do Resolution, do Adventure e do Discovery. A possibilidade de levar Banks a uma das expedições possibilitou a figura de cientistas nas embarcações inglesas que singraram os mares e oceanos no século XIX. Foi Cook um expoente iluminista do século XVIII? Talvez não, porém o cientificismo, o experimento e a descoberta o acompanharam durante as três viagens.             
 Talvez a forma mais sensata de concluir a sequencia seja afirmando que, se não foi personagem principal da civilização atlântica, foi fundamental em muitas das transformações ocorridas no “mundo Atlântico”, tendo em vista o papel determinante que exerceu nas águas do Pacífico e na História.
Darwin. Eis um dos ecos e resultados do extenso trabalho feito por Cook, décadas antes[23].

           
            





[1] RAMOS, Pedro Henrique Maloso.
[2] Para a leitura dos outros textos dessa série procure por James Cook nesse blog.
[3] ocorre quando uma das pedras fica presa na saída da vesícula impedindo o fluxo de bile, levando a uma distensão importante da vesícula. Há então um esforço da mesma para expelir a pedra. O resultado é uma dor tipo cólica. - http://www.gastronet.com.br/litiase.htm
[4] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 130
[5] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 127
[6] Imagem extraída do sítio http://www.londonancestor.com/maps/bc-milend-th.htm
[7] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 127
[8] Um aperfeiçoamento realizado por James Watt a partir do aparelho que fora criado por Thomas Newcomen, em 1712, para bombear água do fundo das minas de carvão. In PAZZINATO, A. L.; SENISE, M. H. V. “História Moderna e Contemporânea” São Paulo: Editora Ática, 1997. 6ª. Edição. p. 93
[9] Imagem extraída do sítio http://www.britishbattles.com/seven-years/minden.htm
[10] Não cabe discutir no presente texto (talvez em um próximo), mas o inicial processo de “não-exploração” de determinadas áreas coloniais pela Inglaterra – principalmente o norte da América do Norte – fez com que fosse criada uma deturpada ideia de “colônia de povoamento”. Se observarmos a estrutura mercantil, veremos que o termo é equivocado. A colônia se efetivava, dentro da lógica mercantil, com a exploração, independente do grau em que as atividades ocorriam. Foram as treze colônias (bem como algumas regiões da América Portuguesa durante o século XVI) terra de degredados, perseguidos políticos e religiosos, haja vista que os primeiros colonizadores ingleses na América foram os peregrinos, fugindo das perseguições – principalmente religiosas – que sofriam na Inglaterra. A partir do momento que eventos ocorridos na metrópole fizeram necessários uma exploração mais contundente, a Inglaterra, sem cerimônias, a implantou.
[11] Quando ocorreu o inicio da Guerra de Independência, que se encerraria em 1781, com o reconhecimento da Independência dos Estados Unidos da América pelos ingleses, através da paz selada pelo Tratado de Versalhes, em 1783.
[12] Imagem extraída do sítio http://www.pbs.org/ktca/liberty/chronicle_philadelphia1776.html
[13] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador. São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 109.
[14] William Bligh (1754 – 1817), oficial da marinha britânica e administrador de algumas áreas coloniais
[15] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador. São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 134.
[16] Imagem extraída do sítio http://snowbrains.com/extremely-unusual-late-season-snowfall-this-weekend-in-anchorage-ak-up-8-forecastedd/
[17] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador. São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 109.
[18] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 135.
[19] Imagem extraída do sítio http://islandbreath.blogspot.com.br/2010/01/hawaii-232-years-later.html
[20] http://respirehistoria.blogspot.com.br/2015/01/james-cook-1-parte.html
[21] Revista National Geographic Brasil – Grandes exploradores - Edição de colecionador . São Paulo: Editora Abril, 2003.p. 127.
[22] Informações referentes ao censo de 1996 – Enciclopédia do mundo contemporâneo / [tradução de Jones de Freitas, Japiassu Brício, Renato Aguiar]. – São Paulo: Publifolha; Rio de Janeiro: Editora Terceiro Milênio, 2000. p. 108
[23] Imagem extraída do sítio http://earthsky.org/human-world/did-hms-beagle-voyage-lead-to-charles-darwins-poor-health

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