O lazer no século XIX[1]
A
ideia do lazer como parte do nosso cotidiano mudou muito, muito mesmo nos
últimos duzentos, cem anos. Assim, se você for parar para pensar haverá de
concluir que o lazer no século XIX se restringia como atividade cotidiana dos
grupos mais ricos da sociedade, os setores mais aburguesados. Não que os mais
pobres não se divertissem, não é isso. Mas é que a quantidade de registros
sobre tal ação, remetendo às camadas populares, é relativamente pequena.
Fato
é que a história do lazer no Brasil do século XIX pode ser apresentada como o
momento em que as classes sociais se distinguiam. Enquanto os mais ricos
realizavam as caminhadas pelos passeios públicos (o conhecido footing), andando nas praças das poucas
cidades brasileiras, ostentando roupas e estilos europeus, a população mais
pobre se concentrava nos espaços abertos ou de uso comum dos cortiços e nas
vielas.
Um
cartaz indica as roupas adequadas para o footing
na rua da Praia, na cidade do Rio de Janeiro (1930).
E
daí, dessa população mais pobre, apareciam as raízes do povo brasileiro, a
enorme miscigenação cultural existente em nosso país. A guitarra (não, não vá
pensando na guitarra elétrica, mas sim no violão, na viola) ajudava o português
e seus descendentes a cantar tristes fados, lembrando-se da terra a muito
deixada. Normalmente as letras relatavam a saudade, a tristeza e a esperança em
um dia voltar a ver o rio Tejo, famoso por banhar a cidade de Lisboa, capital
portuguesa. Acompanhe esses versinhos:
“Terra minha, que te adoro,
Quando
é que eu te torno a ver?
Leva-me
deste desterro;
Basta
já de padecer.”[2]
Ao
passo que o fado parecia algo meio baixo astral, as rodas de samba, com seus
barulhos envolventes e o pessoal dançando, caracterizavam a cultura brasileira
profundamente influenciada pelos africanos. Aluísio Azevedo, em sua obra “O
Cortiço” narra a transformação que a música causava, propiciando momentos de
lazer para as pessoas mais pobres do nosso país.
“E
aquela música de fogo doidejava no ar como um aroma quente de plantas
brasileiras, em torno das quais se nutrem, girando, moscardos[3]
sensuais e besouros venenosos, freneticamente, bêbados do delicioso perfume que
os mata de volúpia.
Sambistas
paulistas no início do século XX (1920).
Voltando
às classes mais ricas, era costume também fazer piqueniques, passeios de
bicicleta e ir aos banhos, às termas, locais apropriados para banhar-se. Tal
costume foi presente inclusive na família imperial portuguesa, sendo que D.
Pedro II tinha como prática fazê-lo em alguns dos locais em que visitava. Cabe
ressaltar que a elite fazia enorme esforço para se diferenciar das camadas mais
pobres justamente pelo lazer que praticava, definindo a prática de se ouvir
samba ou frequentar rodas de música como usos e costumes das populações mais
pobres, do populacho, não “pegando bem” para as camadas mais ricas.
Citado
anteriormente, as rodas de conversa, essas sim, eram comuns nos mais variados
grupos sociais. Óbvio que as classes mais abastadas sentavam-se com os mais
abastados, e os mais pobres com os mais pobres. Enquanto que os ricos se
reuniam nas salas dos grandes casarões, bebericando chás e vinhos, os mais
pobres encontravam nas vendas, bem como nas portas e pátios dos cortiços os espaços
para a interação social, degustando uma cachacinha. Jogar conversa fora,
colocar a prosa em dia, bebendo alguma coisa era uma das atividades de lazer
mais comuns do século XIX.
Agora, um dos eventos que reunia os mais variados setores da sociedade, concentrava
desde ricos a pobres, era a rinha de galo, a briga entre as aves, com apostas
pomposas e plateias entusiasmadas. Tão comuns no século XIX, bem como no início
do XX, as rinhas de galo no Brasil foram proibidas em 1934, pelo então presidente
Getúlio Vargas. Em 1941 passaram a ser considerados crimes, porém de menor
gravidade. De fato, um lazer bastante inadequado.
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