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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Olhares sobre o Brasil do século XIX: o lazer

O lazer no século XIX[1]
A ideia do lazer como parte do nosso cotidiano mudou muito, muito mesmo nos últimos duzentos, cem anos. Assim, se você for parar para pensar haverá de concluir que o lazer no século XIX se restringia como atividade cotidiana dos grupos mais ricos da sociedade, os setores mais aburguesados. Não que os mais pobres não se divertissem, não é isso. Mas é que a quantidade de registros sobre tal ação, remetendo às camadas populares, é relativamente pequena.
Fato é que a história do lazer no Brasil do século XIX pode ser apresentada como o momento em que as classes sociais se distinguiam. Enquanto os mais ricos realizavam as caminhadas pelos passeios públicos (o conhecido footing), andando nas praças das poucas cidades brasileiras, ostentando roupas e estilos europeus, a população mais pobre se concentrava nos espaços abertos ou de uso comum dos cortiços e nas vielas.
Um cartaz indica as roupas adequadas para o footing na rua da Praia, na cidade do Rio de Janeiro (1930).

 E daí, dessa população mais pobre, apareciam as raízes do povo brasileiro, a enorme miscigenação cultural existente em nosso país. A guitarra (não, não vá pensando na guitarra elétrica, mas sim no violão, na viola) ajudava o português e seus descendentes a cantar tristes fados, lembrando-se da terra a muito deixada. Normalmente as letras relatavam a saudade, a tristeza e a esperança em um dia voltar a ver o rio Tejo, famoso por banhar a cidade de Lisboa, capital portuguesa. Acompanhe esses versinhos:

“Terra minha, que te adoro,
Quando é que eu te torno a ver?
Leva-me deste desterro;
Basta já de padecer.”[2]
Ao passo que o fado parecia algo meio baixo astral, as rodas de samba, com seus barulhos envolventes e o pessoal dançando, caracterizavam a cultura brasileira profundamente influenciada pelos africanos. Aluísio Azevedo, em sua obra “O Cortiço” narra a transformação que a música causava, propiciando momentos de lazer para as pessoas mais pobres do nosso país.
“E aquela música de fogo doidejava no ar como um aroma quente de plantas brasileiras, em torno das quais se nutrem, girando, moscardos[3] sensuais e besouros venenosos, freneticamente, bêbados do delicioso perfume que os mata de volúpia.
E à viva crepitação[4] da música baiana calaram-se as melancólicas toadas dos de além-mar”.[5].
                                                              Sambistas paulistas no início do século XX (1920).
Voltando às classes mais ricas, era costume também fazer piqueniques, passeios de bicicleta e ir aos banhos, às termas, locais apropriados para banhar-se. Tal costume foi presente inclusive na família imperial portuguesa, sendo que D. Pedro II tinha como prática fazê-lo em alguns dos locais em que visitava. Cabe ressaltar que a elite fazia enorme esforço para se diferenciar das camadas mais pobres justamente pelo lazer que praticava, definindo a prática de se ouvir samba ou frequentar rodas de música como usos e costumes das populações mais pobres, do populacho, não “pegando bem” para as camadas mais ricas.
Citado anteriormente, as rodas de conversa, essas sim, eram comuns nos mais variados grupos sociais. Óbvio que as classes mais abastadas sentavam-se com os mais abastados, e os mais pobres com os mais pobres. Enquanto que os ricos se reuniam nas salas dos grandes casarões, bebericando chás e vinhos, os mais pobres encontravam nas vendas, bem como nas portas e pátios dos cortiços os espaços para a interação social, degustando uma cachacinha. Jogar conversa fora, colocar a prosa em dia, bebendo alguma coisa era uma das atividades de lazer mais comuns do século XIX.
Agora, um dos eventos que reunia os mais variados setores da sociedade, concentrava desde ricos a pobres, era a rinha de galo, a briga entre as aves, com apostas pomposas e plateias entusiasmadas. Tão comuns no século XIX, bem como no início do XX, as rinhas de galo no Brasil foram proibidas em 1934, pelo então presidente Getúlio Vargas. Em 1941 passaram a ser considerados crimes, porém de menor gravidade. De fato, um lazer bastante inadequado.




[1] RAMOS, Pedro Henrique Maloso
[2] AZEVEDO, Aloísio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1997. p. 71.
[3] Tapas.
[4] Estalar como as faíscas que pulam da madeira que está pegando fogo.
[5] AZEVEDO, Aloísio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1997. p. 71.

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